31 Jan 2023
Helena Terra *
Por dever de ofício leio, diariamente, o Diário da República que, no passado dia 27, publicou um decreto-lei que entrou em vigor no passado sábado, dia 28 de janeiro de 2023; o Decreto-Lei n.º 7/2023 de 27 de janeiro que altera o regime de organização e funcionamento do XXIII Governo Constitucional, procedendo à alteração ao Decreto-Lei que aprovou o regime da organização e funcionamento do XXIII Governo Constitucional; ou seja, o atual governo da nação e que estava em vigor há, apenas, 8 meses.
O Decreto-lei que aprova o regime da organização e funcionamento de um qualquer governo, não é uma lei qualquer, mesmo num país como nosso onde reina a “diarreia” legislativa. Trata-se de uma lei orgânica, sendo que, as leis orgânicas costumam ser consideradas como um nexo ou uma etapa intermédia entre as leis ordinárias e a Constituição. As características particulares das leis orgânicas definidas pelo art.º 112º da nossa Constituição, entre algumas exigências formais, de aprovação, alteração e revogação, definem uma estabilidade e alguma rigidez na regulamentação, que levam a que não possam, e sobretudo, não devam, ser facilmente alteradas, nem mesmo sendo essa a vontade de um governante. Isto não é por acaso, depende da hierarquia das normas e do principio da estabilidade jurídica, e no caso das instituições, que devem informar um qualquer Estado e Direito democrático, mormente, quando governado por um governo de maioria parlamentar, como é o caso.
Este decreto-lei acabou com a Secretaria de Estado da Agricultura, por mais que alguns responsáveis políticos tentem dizer o contrário. As competências da finada secretaria de estado da agricultura passam a ser exercidas pela Srª Ministra da Agricultura, personagem, de cuja existência, dificilmente nos lembrámos. Note-se disse personagem, apetecendo-me dizer figurante, e não personalidade.
Uma das maiores crises com a qual o século XXI terá que se debater é a crise alimentar. Na última reunião plenária do Comité das Regiões da EU de 30/11/2022, o presidente Europeu, Vasco Alves Cordeiro, afirmou: «A guerra da Rússia contra a Ucrânia, os custos da energia, a inflação, a emergência climática e a pandemia são todos desafios que estão a exercer uma enorme pressão nos agricultores europeus e reduzem drasticamente a acessibilidade dos produtos alimentares. A crise alimentar que vivemos hoje está a ter um impacto dramático nos agregados familiares vulneráveis e há demasiados europeus que não têm dinheiro para se alimentar de forma saudável”. As instituições europeias, mas também os órgãos de poder nacional, local e regional, devem agir em conjunto e conceber medidas de emergência eficazes, prosseguindo simultaneamente a nossa transição para uma economia sustentável. Aliás, “reforçar os sistemas alimentares locais e regionais através do investimento numa produção local sustentável e de elevada qualidade, a criação de cadeias de abastecimento mais curtas e a aplicação de uma estratégia de longo prazo para garantir a segurança alimentar na Europa”, foram as principais recomendações dos dirigentes locais e regionais, incluídas no Parecer elaborado no final do dito plenário que chama à atenção dos governos da EU, apelando ao investimento na produção local em prol de alimentos sustentáveis e a preços acessíveis.
A este desafio o governo português responde acabando com o organismo específico para a ele responder: a secretaria de estado da agricultura. E a roupa interior?
- Muda-se todos os dias, uma lei orgânica não!
* Advogada