22 Feb 2022
Feliz de quem descobre que não sabe nada
De si, e deixa que o novo o arraste,
E desfralda as cépticas velas e avança,
Rumo aos lugares onde se concentra o ser.
Feliz de quem fecha os olhos, para ver
A luz filtrada dos astros debaixo do céu,
E ouve o som longínquo que a noite entoa,
Enquanto se veste com as cores da terra.
Feliz de quem conhece a emoção, antes
De designar com o olhar a intensa luz
Que os sons fazem dentro das estrelas,
A celebrar as mais profundas ausências.
Feliz de quem parte por si próprio
E descobre que dentro de si nada brilha,
E toma a decisão de ouvir o chamamento,
Quando pouco a pouco se faz tarde.
Feliz de quem se move pelo sono dentro,
Entre os silêncios que a angústia finge
Serenar de encontro ao sangue, até a morte
Se ligar à lúdica ferocidade do esquecimento.
António A. M. Carneiro, Oliveira de Azeméis, in “Peço ao vento que acelere o grito”