Há 55 anos, no dia 29 de Março de 1966, as possantes máquinas de então iniciavam, a partir do Seixo, a abertura da estrada que haveria de pôr fim ao isolamento de séculos.
A construção de uma estrada que ligasse os lugares do Seixo, Alto do Monte e Mogos ao centro da freguesia de Macinhata da Seixa era velha aspiração das suas gentes, a que se juntavam as de Gateande, povoado que, por uma não ultrapassada aberração geográfica, pertence à freguesia de Travanca, embora, e desde tempos imemoriais, as crianças fossem às escolas de Macinhata, os crentes frequentassem a igreja.
Ninguém saberá ao certo quando nasceu o sonho. Mas vinha de muito longe. Uma acta de 1865 já a reclamava. Vãos todos os esforços, incumpridas sucessivas promessas, a hoje estrada do Cabeço ao Seixo viu o primeiro luzeiro no fundo do túnel quando, entre 1964 e 1965, o Governo do Doutor Oliveira Salazar lançou a concretizada ideia de que o ano de 1966 – 40.º aniversário do 28 de Maio de 1926 – ficasse assinalado, em todas as freguesias do País, com a inauguração de um melhoramento.
De imediato, o saudoso Dr. Artur Barbosa, então presidente da Câmara, chamou os responsáveis pelas 19 freguesias do concelho. Os autarcas de Macinhata não precisaram de mais de 24 horas para regressar ao gabinete presidencial a apresentar o sonho que reconheciam reunir escassa probabilidade de êxito: estava previsto um gasto médio de 50 contos por freguesia… verba ridícula perante o previsível custo real, que ultrapassou os duzentos.
A primeira reacção do Dr. Artur Barbosa foi de total rejeição. Mas os pedintes não esgotaram a capacidade de argumentação, recordando que, cerca de oito anos antes, havia dado entrada nos cofres camarários a verba de 20 contos – notável no tempo! – reunida para o efeito pelo também saudoso Manuel Loureiro entre os amigos emigrados na Venezuela. Duvido haver alguém a recordar este esforço.
O assunto ficou em suspenso e, como sempre acontece em tais circunstâncias, seguiu-se um contacto pessoal, fora da austeridade do gabinete. O Dr. Barbosa conceder-me-ia, a sós, um longo serão na sua moradia, com a gentileza, por parte da Senhora D. Idalina – uma inesquecível Senhora! – de um Porto e uns biscoitos. Oportunidade minha para aduzir convincentes argumentos que devem manter-se reservados.
Vencidas derradeiras resistências, algumas até pelos ‘ciúmes’ de outras autarquias, viria o feliz desfecho pela voz do Dr. Artur Barbosa: os serviços técnicos da Câmara, que então dispunha de um único técnico, o saudoso Eng. Aníbal Delgado – também ele oriundo do vínculo de Gemieiro - elaborariam o projecto; não haveria lugar a um centavo de obras a mais… as tais derrapagens com que, dizem, se governa tanta e tanta gente; a Câmara não pagaria um centavo, nem com indemnizações, nem com muros de vedação. E assim viria a acontecer. Só quem alguma vez se envolveu em tarefas destas avalia as lutas que foi necessário travar, as resistências a vencer, os dias e noites de contactos, uma infinita paciência…
Posta a obra concurso, foi adjudicada ao também saudoso empreiteiro Manuel da Silva, de Travanca, que a iniciou em 29 de Março de 1966. Ao fim da tarde de 04 de Novembro, as autoridades estavam a inaugurá-la no Cabeço, mais propriamente nas Relvas, com foguetório e a orquestra do Grupo, sob a batuta do Maestro Augusto Gomes, a tocar o Hino da Maria da Fonte. Presidiu o Governador Civil Dr. Manuel Ferreira dos Santos Lousada. Um prolongado e rigoroso Inverno levou a que fosse uma inauguração a fingir, como ainda hoje não raramente acontece, pois que apenas estava pavimentada escassa centena de metros… Os menos jovens recordarão sucessivas cheias desse infindável Inverno, as inundações das Ribeiras… a destruição do açude do Alvão. A estrada seria aberta ao trânsito em Agosto de 1967. Entretanto, e com a generosa participação de particulares, calcetaram-se os acessos a partir da Fonte do Carvalho e de Mogos.
Não tardou a subir o coro dos protestos perante a reduzida largura da estrada. Comentários nem sempre justos e vindos, na sua maioria, daqueles que nada contribuíram para a obra… acontecendo mesmo que alguns dos críticos tudo fizeram para a contrariar ao longo de muitos anos, tentando quebrar o entusiasmo dos que teimavam em dar realidade ao sonho.
Efectivamente, a estrada ficou demasiado estreita. Os próprios promotores o reconheciam. No entanto, e segundo a legislação da época, o reduzido número de habitantes da parte alta – um pouco menos de duas centenas! – tratava-se, não de uma estrada, mas sim de um caminho vicinal… e caíram em saco roto todos os protestos da Junta, que apontava o facto de a via servir uma vasta zona florestal. Perante a recusa do Poder Central, que era quem pagava a obra, havia que optar por aquela … ou por nenhuma. Não havia outra escolha…
A estrada do Seixo traria uma onda de progresso à zona alta da freguesia, de apetecida e profunda paisagem alastrada até à Ria. A construção acelerou num ritmo que apenas os menos jovens podem recordar.
Após o 25 de Abril, instituído o poder local, sucessivas juntas de freguesia promoveram o alargamento e as ligações a Ossela e a Sanfins. A rede viária multiplicou-se e não há hoje espaço inacessível ao automóvel. É boa a qualidade de vida. Apetece viver por aqui.
Uma recordação final. Porque a memória é frágil e a ingratidão obstinada. Nem tudo foi tão mau como por vezes se pinta.
Em 1957, inaugurou-se, no Alvão, a Escola Feminina… alojada em sucessivos pardieiros desde a inauguração, em 1914. Em Março de 1969, a empresa de construção Benjamim Moreira, da Madalena, Vila Nova de Gaia, adjudicou por 2.618.580 escudos a profunda reconstrução dos esburacados 9.250 metros da esquecida Estrada do Caima, com a eliminação das curvas do Cabeço (e mudança da Capela de Nossa Senhora das Necessidades), das curvas da Taipa, das curvas de Gemieiro e supressão da ponte. Em Junho de 1968 era reinaugurada a centenária e esquecida Escola do Cruzeiro, de que só restaram as paredes exteriores. E para não maçar mais, de referir o momento do fim – afinal bem fácil! - da encrenca da Capela de Santo António, mercê da benemerência da Família Freitas – saudosos D. Rosa, Dr. Manuel e Dr. Armando – que cederam o espaço para a construção de um pequeno parque, sob desenho amigo do Arquitecto Gaspar Domingues… acolhedor logradouro hoje entregue à sua sorte. É a vida!

Por António Magalhães
(Artigo escrito ao abrigo
do antigo Acordo Ortográfico)