14 Jun 2023
Vítor Januário *
Os transportes não são uma necessidade apenas determinada por deslocações indispensáveis, mas também por toda a mobilidade ocasional, por isso a circulação de autocarros interurbanos é necessária para idas e voltas com vários horários. Certamente que esta preocupação facilitaria a vida de trabalhadores que se deslocam em viaturas privadas para a zona industrial de Oliveira de Azeméis.
Assumir e fazer cumprir o direito ao transporte público de qualidade garante coesão nacional, regional e local, permitindo ainda mitigar efeitos de calamidades na natureza e na saúde humana. Devido também a estas razões, sendo uma função social do Estado, este e outros setores necessitam de estar diretamente dependentes de um dos seus níveis de organização administrativa para garantir serviço indispensável.
Hoje, por ironia, surge como moderno o pensamento liberal que procura dissolver o papel do Estado enquanto promotor de bem-estar social, apesar de serem conceções que não podem perpetuar a novidade que tiveram em séculos passados. Mesmo que não se implantem na sua plenitude, contaminam a ação governativa de expressão nacional e autárquica. Por isso, há sempre uma interferência de interesse privado, a que não foge o transporte rodoviário coletivo. Numa lógica de desvalorização dessas responsabilidades, também se alienam papéis noutras entidades, como sucedeu no nosso concelho, que, não se constituindo autoridade de transportes, delegou esta responsabilidade na Associação Metropolitana do Porto, a qual optou pela gestão privada dos transportes públicos. Não é uma perspetiva diferente da que se adotou com a privatização dos CTT. De facto, trata-se apenas de opção política que pode criar várias insuficiências com prejuízo para a qualidade de usufruto e o nível de confiança dos utilizadores. É um caminho que fará do utente cliente de empresas que acabarão por dominar o que não deveria ser mercado de transportes, mas que passará a ser. Com facilidade se instalará, então, uma marca comercial, nacional ou internacional, por comunidade intermunicipal. Aliás, já há exemplos. Não será, então, estranho que alterações de trajetos, supressão de carreiras, reduções de horários se façam no limite que a contratualização permita até que se largue a completa responsabilidade pública. Ficar dependente de terceiros é posição que só se enquadra no sentido de aceitar a concorrência liberal da oferta e procura, mas não de contribuir para a qualidade de vida das pessoas.
O direito ao transporte bem como aos acessos em condições de segurança são deveres públicos que não se compadecem com interesses privados.
* Membro da Comissão Concelhia do PCP