22 Jan 2024
Vitor Januário *
água é um bem e a sua disponibilização tal como o seu tratamento são serviços que facilmente se percebem como tão essenciais que, sem eles, não teríamos vida. Ora, na organização social humana, a vida tem de ser, naturalmente, o primeiro direito a garantir, logo necessita de ser a totalidade da comunidade a assumi-lo, a qual, para o atual conhecimento humano, se regula pela entidade Estado. Portanto, o que é fundamental não deve estar nas mãos de ninguém em particular, mas sim de todos, isto é, do Estado porque a este “apenas” lhe compete garantir condições para que todas as pessoas dependam de todas. Trata-se também de um princípio de segurança coletiva que, no limite, defende os indivíduos de perigo existencial se apenas dependerem de alguns, isto é, de quem determine a finalidade do bem essencial. Mesmo a propósito, a CDU promove um debate público, com especialistas, no dia 3 de fevereiro (às 15h), na Junta de Freguesia de Nogueira do Cravo. Na verdade, o tema da água, que aí será discutido, passou a constituir um problema de décadas no bolso dos cidadãos, gerando reflexões e propostas legislativas, com repetidas tentativas do PCP, na Assembleia da República, para que se alcançasse a reversão dos contratos (leoninos) no sentido da administração e gestão por entidades públicas. Lamentavelmente, os partidos à direita inviabilizaram essa pretensão.
Considerando que tem de ser salvaguardado por todos e para todos o que não pode ser alienado à vontade ou à gestão de alguém em particular que tenha o poder de fechar a torneira ou de a fazer correr em pingos seletivos (mesmo por razões que possam ser até de fundamento legal, como um hipotético e improvável incumprimento contratual reiterado do Estado), facilmente se percebe que liberalizar nos assuntos vitais é uma opção que atende a vontades e ambições de privados sem acautelar indubitavelmente o domínio público em situação, por exemplo, de risco. No limite, um bem que também é um direito passa a constituir-se como motivo de conflito de interesses entre a lógica de mercado onde participa por ser negócio e as necessidades humanas que não podem depender de margens de lucro.
A disciplina liberal, bem acarinhada ou defendida, acérrima ou veladamente, à direita, tem sempre a prova do algodão em momentos de crise, como sucedeu no período da pandemia da Covid-19, cuja salvação existencial das pessoas, apesar do encolhido investimento no SNS, foi esmagadoramente garantida pelo Estado, pelo serviço da comunidade, exceto, obviamente, as tragédias que não se evitaram por razões diversas.
O Público é de facto de todos e para todos, o privado é efetivamente só de alguns e para alguns.
* CDU – Coligação Democrática Unitária