A génese das festas e do parque de La Salette

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Mergulhamos no arquivo do Correio de Azeméis e viajamos aos primórdios do parque de La Salette

A história do Correio de Azeméis funde-se com a cronologia das celebrações que em agosto animam o concelho. Várias edições publicadas em 1923 e 1924 esclarecem as tradições e relatam as obras no Monte dos Crastos, no qual nasceu o parque e a capela.

Samuel Santos

Decorria o ano de 1908 quando alguns populares se reuniram com o propósito de recuperar a tradição em honra de Nossa Senhora de La Salette. O movimento, impulsionado pelo benemérito Domingos Costa, culminou no aparecimento da Comissão Patriótica Oliveirense. Determinado a reativar as festas e a proceder a diversas obras no Monte dos Crastos, o grupo teve em Bento Carqueja a ajuda necessária para delinear o projeto arquitetónico e paisagístico. A ideia gerou entusiasmo entre os habitantes, que doaram módicos contributos monetários à comissão. Durante o projeto, a tutela adquiriu os terrenos circundantes do monte.
Anos depois, as escarpas e a densa vegetação havia dado lugar à imponente capela, pintada de fresco, ao novíssimo coreto e a corredores pedestres, que permitiam passeios junto ao lago ou em torno da área verde. Os progressos registados na primeira metade do século XX deveram-se à proatividade dos beneméritos Bento Carqueja, Domingos Costa, Francisco Tavares Machado, António Rodrigues (sim, avô do empresário António Rodrigues), Ramalho Ortigão, Sebastião Lopes da Cruz e Francisco Costa. A estas personalidades foram dedicados parágrafos de exultação no nº 44 do Correio de Azeméis, publicado a 9 de agosto de 1923.
“Vencendo as maiores dificuldades, transpondo os obstáculos, com uma persistência que muito os honra e enobrece, conseguiram transformar as pedregosas escarpas do Monte dos Crastos no aprazível e deslumbrante Parque de La Salette”
Fundado numa era de instabilidade política, o Correio de Azeméis, originalmente publicado às quintas-feiras, escreveu pela primeira vez sobre o parque na oitava edição, em novembro de 1922. As extensas colunas noticiosas eram dedicadas ao debate político entre republicanos e monárquicos. Até o desporto, dominado pela Escola Livre de Azeméis, pelo Sporting Club Oliveirense e pela União Desportiva Oliveirense, era alocado em pequenas secções.
As primeiras reportagens redigidas neste semanário sobre as festas de La Salette foram publicadas na referida edição nº 44, em agosto de 1923. Para espanto de alguns leitores, as celebrações duraram apenas três dias (entre sábado e segunda-feira), mas todos contavam com três salvas de 21 tiros, para que nenhum habitante ignorasse a data. As romarias eram diversas: alguns deslocavam-se à “modesta ermida”, lugar de culto religioso; outros preferiam escutar “as melhores bandas de música do país”, como o grupo da Guarda Nacional Republicana do Porto e de Lisboa; e ainda havia aqueles que optavam por vibrar com o Prémio de La Salette, que no Campo da Lage opôs a UD Oliveirense e a Associação Desportiva de S. João da Madeira para um match de foot-ball.

Relatos aprimorados sobre a multidão festiva no parque
Um ano volvido, a 7 de agosto de 1924, os habitantes da vila estavam, de novo, em contagem decrescente para as celebrações. Conforme descrito pelos redatores, as obras no Monte dos Crastos prosseguiam, permitindo substituir “a montanha agreste” por um “risonho e pitoresco parque”, cuja principal atração era “o formoso templo” em honra de Nossa Senhora de La Salette. Os projetos, traçados “pelo ilustre arquiteto portuense Correia da Silva” e “pelo notável paisagista Jerónimo Monteiro da Costa”, dotavam o concelho de um lugar único, capaz de conjugar a natureza e a religião.
No rescaldo das festividades, o encanto e a imponência do evento foram os termos mais utilizados: “era de ver o entusiasmo louco dos ranchos, cantando e bailando, dando vivas à Santa”. A descrição redigida espelha sentimentos de liberdade e regozijo. Ao coração do concelho afluíam forasteiros oriundos de várias regiões, e que pesavam nas carruagens das locomotivas que percorriam o Caminho de Ferro de Vale do Vouga: “o movimento (…) foi superior ao dos anos anteriores, sendo digno de notar a dedicação e o interesse”.
O sábado que inaugurou a festa mobilizou os populares e visitantes para as atuações musicais da Guarda Nacional Republicana (Porto) e da Banda de S. Tiago de Riba-Ul. Desde as principais ruas da vila, a romaria aumentava em direção ao lugar da festa, onde o som das violas, dos pandeiros e das flautas ativou o delírio da multidão, que “cantarolava, remexia-se, bradava e saracoteava” ao ritmo dos grupos convidados. Apesar da azáfama, o momento principal foi registado no dia seguinte (domingo), durante a Procissão do Triunfo, acompanhada por várias irmandades e milhares de devotos. Os fiéis, vestidos em trajes garridos, cotovelavam-se para conquistar um lugar privilegiado na contemplação de Nossa Senhora de La Salette.
A tradição de fogo-de-artifício, à época denominado “fogo do ar”, era já um atrativo: “nas noites de sábado e domingo tivemos a ventura de presenciar o mais variado e mais rico fogo do ar que até hoje se tem fabricado em Viana do Castelo”. As celebrações de 1924 guardaram para o último dia as merendas, motivo para inúmeras famílias ocuparem as mesas, os canteiros e o espaço em redor das “árvores mais frondosas”.
“O parque de La Salette é uma obra que honra esta vila. A ele está preso o coração de Oliveira de Azeméis. No ramo do arvoredo, na água serena do seu lago, no relvado do monte, logo se advinha o esforço (…) que faz o orgulho de uma terra inteira.”
Nas palavras de Reinaldo das Neves Ribeiro, escritas a 30 de julho de 1923, a alma dos populares ri quando se anunciam as festas de agosto. Oriundas do século XIX, a tradição foi recuperada no princípio do anterior milénio pela Comissão Patriótica Oliveirense. Ademais, o grupo de beneméritos, cujo legado está eternizado nas primeiras edições deste semanário, promoveu a transformação do Monte dos Crastos no parque hoje célebre. A obra edificada apenas foi viável graças aos contributos dos populares. Por isso, a essência daquele lugar resume-se à sinergia entre aqueles que compõem a história de Oliveira de Azeméis.

 

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