Entrevistas - ADN Oliveirense com Helena Terra Concelho
Lindolfo Ribeiro, chanceler-mor da Confraria das Papas de S. Miguel, descreveu as tradições gastronómicas como um dos maiores tesouros de um território e deixa o alerta para que as mesmas continuem a ser preservadas
Chef Lindolfo Ribeiro foi o convidado do ‘ADN Oliveirense’
Em mais um programa de ‘ADN Oliveirense’, o chef Lindolfo Ribeiro, chanceler-mor da Confraria das Papas de S. Miguel, foi o convidado de um programa que deixou todos de ‘água na boca’. Desde os seus primeiros passos na cozinha, o crescimento até ser chef Lindolfo, até aos seus segredos mais bem guardados das suas melhores iguarias, Lindolfo Ribeiro explanou o seu amor pela cozinha, pelas tradições gastronómicas e por Oliveira de Azeméis.
Os primeiros passos na cozinha. “Eu fui criado com a minha avó paterna e bisavó. Fui o primeiro neto e era o menino. E o menino ficou sempre com as avós. A minha bisavó, já com uma idade avançada, é que cozinhava enquanto iam para o campo. E eu sempre a ajudei. Ajudei também no intuito de petiscar (risos). E lembro-me que, quando foi a minha comunhão solene, eu fiz o creme queimado com a minha bisavó.”
As famosas fitas de carpinteiro. “A minha bisavó estava a fazer marmelada virgem, ou seja, sem ponto de açúcar. E inventou, ou, já sabia, uma massa. E recheava essa massa. Enrolava em canas de milho e cortava a massa em tiras. Enrolava, ia cozer e depois recheava com marmelada. E deu, como merenda, às comadres que estavam à espera que se pusesse o sol para recolher o milho. E aí perguntaram-lhe, como é que se chamava aquilo. E ela disse que eram fitas de carpinteiro. Bom, passaram-se os tempos e um dia tive que adaptar, porque a marmelada virgem é sazonal. Bom como nós estamos na zona de Aveiro, temos tradições de doce de ovos, coloquei precisamente isso. E hoje são as fitas de carpinteiro que se vendem aos milhares.”
Os anos na tropa e a cozinha. “Fui na altura para o interior de Angola, no Norte. Um dia mataram uma pacassa, que para quem não sabe é uma vaca brava, digamos assim. E o comandante chamou-me e perguntou, Lindolfo o que é que podemos fazer com a vaca? Podem-me perguntar como é que ele sabia dos meus dotes de cozinha. Sabia, porque muitas vezes eu fazia as petiscadas com os oficiais, com o pessoal em geral, e dava opiniões, e fui sempre muito querido. Mesmo aos indígenas que vinham lá lavar a louça, eu oferecia-lhes comida, ensinava-lhes a ler e a cozinhar. Tive muitas saudades, porque quando vim embora eles choravam. Então, a pacassa, o que é que vamos fazer? Dentro de dias o comandante da região militar de Angola, Altino Magalhães, vinha visitar o nosso acampamento. Então eu fiz bifes de pacassa em cebolada, com a pá da pacassa assei no forno com batata, e fiz ainda a pacassa em vinho, quase como a chanfana. Eu inventei. Ele ficou deslumbrado, até que eu fui transferido para Luanda para poder frequentar a escola hoteleira. E foi aí que depois vim para Portugal fazer a equivalência, que me deu oportunidade de estagiar no estrangeiro, mais concretamente na Suíça.”
A Confraria das Papas de S. Miguel. “Eu questionei na altura: ‘Dona Maria Calejo, porque é que me faz este convite? [para ser o Chanceler-mor da Confraria das Papas de S. Miguel]’. Eu não entendo nada de confraria. A noção que eu tenho de confraria é de comer e beber. Ela disse, não é muito mais que isso. Há uma tradição de Oliveira de Azeméis, das papas, ela fez a descrição ao pormenor. E eu disse, isso é um ato de amor. E é o ato de amor entre o caseiro, o rendeiro e o senhorio, o dono das terras. Que em mais lado nenhum se faz isso. Era no dia de São Miguel, quando entregavam a renda ao senhorio e festejava a comer as papas. Vim para casa e pensei, esta senhora tem um enorme coração e aceitei.”
A sede da confraria. “A sede devia ser em Oliveira de Azeméis, foi aqui que nasceu. [Mas] primeiro que se conseguisse uma sede foi um caso sério, até que um dia tive que ser um bocadinho abrutalhado e consegui a sede. Através do sr. Amaro, o presidente da câmara, e o professor Figueiredo, lá se arranjou uma escola. Hoje já se reconhece que a escola não é no melhor local, devia ter um acesso mais fácil. Mas, ninguém sabia o que era a confraria, ninguém sabia o que é que se preparava e propunha. E a confraria nasceu e está lá. Tem uma área da escola demonstrativa, tem uma área para degustar, e fazemos os nossos pequenos eventos, e convidamos, e estamos abertos a que quem quiser que ser confrade, que venha, seja ela qual for a condição social.”
Qual é o doce típico de Oliveira de Azeméis? “Em Oliveira eu lembro-me, dos zamacóis. Mas, que seja comum a festas, quer sejam familiares ou romarias, recordo-me de diferentes freguesias. Desde Cesar, Fajões, Macieira de Sarnes, Carregosa, por aí abaixo, até às do poente. Eu não tenho muito conhecimento das freguesias do ponte (São Martinho da Gândara e Loureiro), mas ainda fazem a sopa seca, no Carnaval. Enquanto que na parte norte faz-se no Carnaval e faz-se nas romarias. Lembro aqui também o creme queimado, aquilo que vulgarmente se chama leite creme. (…) É uma das grandes sobremesas de Oliveira das Azeméis, de todas era a mais comum”.