30 Oct 2025
> Luís Valente de Oliveira
O pintor Abílio Guimarães é um aguarelista muito distinto!
Como é de regra, domina todos os aspectos técnicos do ramo. Mas tem uma característica especial: nunca recorre ao lápis para definir a estrutura geral da pintura; usa directamente o pincel para o fazer. Tudo o resto vem depois, mesmo o preenchimento das grandes superfícies como o céu ou o mar ou o rio. Isto é perceptível, mesmo quando se trata de marinhas, um ramo preferido do nosso Artista.
Tenho tido a sorte de apreciar centenas de obras do Artista, ao longo de décadas. As paisagens são sempre as peças onde à técnica se alia com mais sucesso a sensibilidade, mas os barcos e o seu enquadramento podem ser considerados o tema em que o Autor revela melhor o seu talento. E, dentro das embarcações, são os veleiros os seus preferidos. Compreende-se isso porque tanto o seu volume como a forma permitem composições variadas que são mais do que decorativas porque tanto podem traduzir cenas de um alto dramatismo como são capazes de transmitir uma serenidade repousante unindo o céu e a água num diálogo muito profundo.
As potencialidades das marinhas foram há muito descobertas. Quer as batalhas navais, quer os mares de tempestade foram temas correntes dos pintores holandeses e ingleses. Ainda hoje paramos diante dessas pinturas quando percorremos uma galeria porque elas nos atraem instintivamente. E isso sejam elas óleos ou aguarelas, sejam elas grandes composições recheadas de pormenores ou simples apontamentos de um raio de sol coado pelas nuvens ou o brilho da explosão de um petardo.
Muitas dessas marinhas foram pintadas para recordar batalhas ou naufrágios célebres ou para relembrar embarcações notáveis. Mas houve muitas que só foram pintadas para exprimir emoções fortes ou expressões estéticas surpreendentes. Será injusto nomear pintores célebres de marinhas que nos prendem porque esqueceríamos muitos mais artistas do que aqueles que seríamos capazes de nomear. Mas ninguém considerará despropositado que se preste homenagem ao grande Turner que não se cansou de transmitir emoções únicas, repisando cenas de mar, quer em grandes composições a óleo, quer em apontamentos rápidos a aguarela, onde o seu génio expressivo registou para sempre a beleza ímpar das embarcações e do ambiente onde se movem. Trata-se de um tema com um alto poder apelativo.
Não admira, por isso, que o nosso Artista, aqui exposto, se tenha focado toda a vida em motivos ligados à água e às embarcações e, dentro destas, especificamente aos veleiros.
Tão conhecida é a sua paixão pelo tema que foi solicitado a registar com abundância de obras três regatas: (1) a Regata do Infante, realizada em Vila Nova de Gaia e Matosinhos em Julho de 1994; (2) a Regata de Vasco da Gama que teve lugar em Lisboa, no Tejo e à volta da Estação da Rocha do Conde de Óbidos, em 1998 e (3) a Regata de Pedro Álvares Cabral realizada em Salvador da Baía e Porto Seguro, em 2000, para comemorar os quinhentos anos da Descoberta do Brasil.
Lembro-me especialmente da primeira porque foi promovida por dois amigos meus – o Eng. Guimarães Lobato e o Eng. Paulo Vallada – que nela investiram muito do seu saber e do seu entusiasmo. Ficou imperecível na memória de todos os que tiveram a sorte de a ver.
Pois o Abílio Guimarães viveu-as às três na sua capacidade de Artista, aguarelista, particularmente focado no tema. Devem ter sido, para ele, momentos únicos de emoção porque não deveria saber para que lado se virar, tal era a abundância de motivos de atenção. Produziu imensamente em qualquer delas. Muitas obras estarão hoje a adornar paredes que ele não sabe onde estão. Mas temos a sorte de ainda ser possível reunir um número apreciável de quadros que nos permitem evocar aquelas três realizações e partilhar com o Autor uma parte da emoção em que ele deve ter vivido aqueles dias, registando aspectos variados das embarcações e da luz, do seu movimento ou do seu perfil quando atracadas.
É para mim uma sorte poder sublinhar a capacidade do Abílio Guimarães como aguarelista, mas também o é a possibilidade de evocar a emoção que ele deve ter sentido, ao longo daqueles dias, quando era desafiado a registar sem interrupção, temas que o fazem vibrar e que lhe permitem verter sob forma material o seu enorme devotamento à expressão visual das embarcações à vela nas muitas formas em que elas mostram a sua beleza.
Luís Valente de Oliveira