4 Sep 2025
O sistema de proteção civil em Portugal tem sido, ao longo das últimas décadas, testado por fenómenos extremos, incêndios rurais, cheias, tempestades, acidentes tecnológicos, que evidenciam vulnerabilidades estruturais.
O debate público, todavia, concentra-se recorrentemente no combate, falta de meios aéreos, insuficiência de recursos terrestres, descoordenação operacional.
Raramente se questiona o patamar municipal, que constitui, em teoria, a primeira linha de defesa organizada do território.
À proteção civil municipal, compete-lhe a identificação das falhas estruturais que emergiram de forma particularmente visível nos mais recentes incêndios, ausência de regulamentação dos serviços municipais, perfis profissionais desajustados, carência de planeamento, improviso logístico, desinformação pública e politização das nomeações.
Em cada episódio crítico, assiste-se a uma narrativa repetida, falha o Governo, falham os meios nacionais, falha a coordenação central.
Contudo, raramente se olha para a base...os municípios.
É ao nível local que os riscos se materializam, é nas autarquias que se localizam as populações afetadas, é no patamar municipal que deveria residir o núcleo estruturante da prevenção, da preparação e da primeira coordenação de resposta organizada.
Apesar disso, a proteção civil municipal em Portugal continua a viver numa dimensão proforma, existe por imposição legal, mas não por convicção política ou estrutura técnica robusta. Atualmente, existem coordenadores municipais oriundos de áreas sem ligação à proteção civil, fisioterapia, cinema, sem ligação à segurança, entre outros.
A escolha baseia-se unicamente no critério formal de licenciatura.
Esta realidade fragiliza a resposta técnica e desvaloriza o conhecimento científico aplicado.
Muitos municípios mantêm planos de emergência desatualizados, nunca testados ou sequer divulgados. Planos prévios de intervenção para riscos específicos (como o florestal) raramente existem. Sem relatórios técnicos anuais, torna-se impossível realizar análises de risco credíveis e implementar medidas de mitigação eficazes.
Houve planos ativados sem convocatória da Comissão Municipal de Proteção Civil. Centros de Coordenação Operacional Municipal permaneceram inativos. A articulação entre bombeiros, forças de segurança, IPSS e autarquias revelou-se frágil ou inexistente.
A proteção civil municipal em Portugal vive uma contradição. É formalmente a primeira linha de defesa, mas na prática funciona como espaço proforma, muitas vezes instrumentalizado politicamente.
O futuro exige escolhas claras. Queremos municípios que planeiem, previnam e mitiguem riscos, que informem e protejam populações, que articulem respostas e promovam resiliência?
Ou aceitamos manter uma estrutura que apenas reage de forma improvisada em momentos de crise?
Urge refletir e agir.
Jorge Melo Pereira, Oficial bombeiro de 1ª, dos Bombeiros Voluntários do Concelho de Espinho