20 Jul 2022
Sempre pensei que cada profissão fosse igual a qualquer outra. Pensei sempre que aquilo que conta é, apenas e exclusivamente, o modo como a abordamos (ainda que, com esta afirmação, tenha consciência de estar a dizer uma grande banalidade). Qualquer trabalho é para mim, em sentido lato, uma questão de inteligência, sempre e sobretudo uma questão de inteligência, tudo o resto surge depois e por consequência: das escolhas mais pessoais às mais gerais, práticas ou expressivas, o discernimento, o empenho, a responsabilidade, o estudo, a técnica e a mestria necessárias são uma consequência.
A isto, porém, devo acrescentar que, para mim, o meu trabalho, é fundamental o prazer de fazer (outra grande banalidade, apercebo-me). Mas que este prazer consiste, para mim, sobretudo, no fazer bem (eu o artífice, eu posto à prova, eu que dou o melhor de mim, etc.), mais do que no tipo de trabalho, mais do que nos resultados do meu trabalho 1.
As palavras de Giorgio Grassi, arquiteto italiano, revestem-se de um significado profundo na sociedade atual. Um discurso, que segundo ele estaria repleto de banalidades, marcará, ainda hoje, positivamente, qualquer arquitecto em início de carreira.
O prazer consiste em fazer bem aquilo que fazemos...eu o artífice...
O artífice promete que o objeto que fez – em condições normais, sem catástrofes – durará séculos (...). E só se fazem, vendem e compram coisas que duram mais do que uma vida humana porque os homens inventaram uma maneira coletiva de serem imortais, que é a cidade2.
Só a existência de uma esfera pública e a subsequente transformação do mundo numa comunidade de coisas que reúne os homens e estabelece uma relação entre eles depende inteiramente da permanência. Se o mundo deve conter um espaço público, este não pode ser construído apenas para uma geração e planeado somente para os que estão vivos: deve transcender a duração da vida dos homens mortais3.
E continua Arendt ‘o mundo comum é aquilo que está entre eles; que não pertencerá exclusivamente a uma vida’.
A questão do espaço público, recuperada neste espaço de informação e comunicação com os leitores do Correio de Azeméis, tem vindo a clarificar como tem sido negligenciada, ao longo do tempo. E quando os investimentos que se fazem têm um propósito temporal curto, sobretudo por razões de valor de investimento, a identidade da cidade é posta em causa, porque, no alinhamento de Arendt, ‘o mundo comum é aquilo em que entramos ao nascer e deixamos para trás quando morremos’.
1 GRASSI, Giorgio – Uma vida de Arquitecto. Porto: FMS/Edições Afrontamento, 2021.
2 TAVARES, Gonçalo M. Atlas do Corpo e da Imaginação. Teoria, fragmentos e Imagens – Lisboa: Relógio de Água, 2019.
3 ARENDT, Hannah. A Condição Humana – Lisboa: Relógio de Água, 2001.
* Arquiteta
anadacostaesilva@correiodeazemeis.pt