11 Jul 2023
Vítor Januário *
Perpetua-se o entusiasmo com os avanços tecnológicos, sendo, aliás, um interesse cuja intensidade criou sempre a tentação de prosseguir até ver o limite de cada instrumento inovador, embora com a infindável perceção de que cada descoberta conduz a outras. Trata-se de uma atitude reveladora da característica humana que permite desvendar o desconhecido, podendo também favorecer e facilitar os seus dias e as suas rotinas. No entanto, apesar destas considerações de aceitação quase universal e de formulação genérica, importa atender à relação entre inovação científica e tecnológica e progresso, observando que este é o avanço para a melhoria geral da qualidade de vida. Efetivamente, interessa garantir que o aperfeiçoamento que se busca sirva para o desenvolvimento da sociedade no sentido do seu bem-estar e equilíbrio com a natureza. No entanto, esta necessidade, desconfiada, de afirmação da qualidade de vida dos humanos resulta, inevitavelmente, da experiência histórica, gerada de forma intensa desde a Revolução Industrial, de se usar o que se inventa para a exploração do semelhante e a acumulação de riqueza. No fundo, quem detém poder económico e de influência apropria-se do que pode melhorar a sua própria vida à custa da sonegação do direito de outros também verem favorecidas as suas condições de existência e usufruto. Esta divergência tem levado à necessidade de se encontrarem diferentes instrumentos de regulação (sobretudo contratualizações e convenções), ainda que de modo a manter desequilíbrios sociais, pois uns auferem rendimentos multiplicados ou incalculáveis, enquanto outros temem que não cheguem ao fim ou a meio do mês. Com isso, pretende-se ainda que não se lancem na indigência os últimos nem se torne totalitária a riqueza dos primeiros. Na verdade, são processos que trazem males menores a quem vive do salário bem contado em cada dia do mês. Aliás, percebe-se que, por exemplo, quando se retira a possibilidade de contratação coletiva, a relação desigual entre quem recruta e quem é recrutado só com heroísmo épico poderia ser superada.
É verdade que opções de automatização se vão instalando, seja para a vigilância, gestão logística ou formas integradas, que incluem a produção, para que, estrategicamente, o impacto de substituição de mão de obra não gere reação nem alarme, mas produza o efeito de instalação definitiva nas rotinas de comércio, empresas e serviços, de modo a integrarem hábitos de que consumidores/ utilizadores acabam por não abdicar.
Visto que não tem de ser uma inevitabilidade a aceitação acrítica, passiva e até indulgente, importa contrapor a iniciativa exigente de agentes privados, organizações sindicais e entidades públicas, designadamente municipais, de modo a que se assuma um contrato social que impeça a substituição de homens e mulheres por máquinas ou aplicações. Trata-se de um passo de aceitação do progresso que acomoda novas capacidades de dispositivos eletrónicos, nomeadamente a denominada inteligência artificial, mas que não acolhe a desvalorização da condição humana.
O concelho de Oliveira de Azeméis pode e deve aceitar o papel de concertação para a valorização do trabalho e dos trabalhadores numa perspetiva de lidar, de forma crítica, atenta e interventiva, com os avanços tecnológicos, a fim de não se depauperarem as relações sociais nem se retirar função central, com dignidade, ao ser humano, à sua condição, incluindo o erro de que só ele é dotado.
* Membro da Comissão Concelhia do PCP