19 Sep 2023
Helena Terra *
Nos últimos tempos, muito se tem falado do mercado da habitação, mormente do mercado do arrendamento para habitação. Sobretudo depois da aprovação da Lei n.º 71/23, de 03 de agosto, o chamado Pacote “Mais Habitação”, vetada pelo Presidente da República e que regressará ao parlamento onde será confirmada, pela maioria que suporta o governo, consoante anúncio já tornado público.
Foi a Primeira República que iniciou o condicionamento do valor das rendas contratadas por senhorios privados. As leis incluíram a obrigatoriedade de arrendar imóveis devolutos e a proibição de despejos, mesmo quando o senhorio precisava da casa para si.
Com algumas oscilações de regime, justificadas com as duas grandes guerras, eis que regressa o congelamento das rendas nas duas cidades, Lisboa e Porto. Mantém-se no Decreto-lei nº 47 344 que aprovou o novo Código Civil de 1966, que, além desse congelamento, restringe a denúncia “por conveniência do senhorio,” mas permite-lhe fixar livremente a renda de início ou num novo contrato.
Com a chegada do 25 de Abril ocorre nova vaga de congelamento, alargado a todo o país. Logo em 1974, são suspensas as avaliações fiscais para atualização do valor matricial que, até então, só vigoravam em Lisboa e Porto e, sob pena de crime, são fixados valores máximos para rendas de prédios antigos; volta o dever de arrendar. Seguem-se muitos outros decretos, que mudam pouco esta situação, até que em 1985 se permite, de acordo com coeficientes baseados no estado do locado e na data da última atualização, a correção extraordinária de rendas fixadas até 1980, com subsídios para inquilinos sem capacidade.
A história deve servir, entre o mais para que aquilo que se verificou serem erros cometidos no passado, se não voltem a repetir. Estes congelamentos conduziram à conhecida e reconhecida degradação do nosso parque habitacional e à desfiguração, inicialmente das cidades de Lisboa e do Porto, e depois de 1974 do resto do país.
O governo parece ter descoberto, agora um problema que é novo, a escassez de casas no mercado do arrendamento. É problema e grande, mas vetusto.
No ano passado, o governo suspendeu a atualização legal das rendas de 5,43%, permitindo apenas uma atualização de 2%, menos de metade. Este ano, com a previsão de aumento para 2024, de 6,94%, parece que o governo se prepara para aplicar a mesma receita, esperando, por certo um resultado diferente daquele que obteve: diminuição da emissão de licenças de novas construções e aumento médio de 30% das rendas dos novos contratos de arrendamento. Insano.
A fixação dos coeficientes do aumento das rendas tem em conta o valor da inflação, ou dito de modo mais simples, do aumento do custo de vida. É indiscutível que o aumento do custo de vida não vitimiza só os inquilinos, vitimiza-nos a todos e, portanto, também os senhorios. Estes continuam a ter de pagar o IMI, a manter os locados em condições que permitam o gozo e fruição do prédio arrendado e, se for uma fração de um prédio em propriedade horizontal, continuam a pagar o condomínio, cujo valor, tendencialmente aumentará.
Não é aceitável que o governo obrigue os senhorios a financiar o aumento das rendas aos inquilinos. Desde logo porque é duplamente injusto; porquanto, este “financiamento” seria cego, ou seja, aplicar-se-ia aos inquilinos que o não podem suportar e àqueles que o podem fazer; por outro lado porque o senhorio, além do suportar o aumento do custo de vida vê diminuir o seu rendimento, não só nos anos em que se suspende a aplicação do aumento como em todos os anos seguintes.
Isto chama-se não aprender nada com os erros do passado e andar a brincar às casinhas.
* Advogada