Crianças que não brincam

António Magalhães

Há setenta anos, as nossas crianças brincavam. E iam a pé para a escola. As crianças de Gateande, lugar da freguesia de Travanca, frequentavam a Escola do Alvão, em Macinhata da Seixa, bem mais perto. Dois quilómetros bem medidos. Uma ou outra, infelizmente, podia caminhar descalça. 
E, na sua penúria, iam contentes. Fora de casa, ficavam dispensadas de colaborar nas tarefas domésticas. É que, algumas vezes, já tinham conduzido o leite ao posto de recolha ou apanhado o molho de erva para a vaca.

Na viagem, brincavam umas com as outras. Naturalmente, faziam, por vezes, as suas picardias. Bulhavam, mas sem perigo, porque, nesse tempo, não transportavam consigo armas brancas. Davam e apanhavam, aprendiam a defender-se, tudo acabava em bem. Na escola não havia leite ou qualquer outro conforto, nem aquecimento. Mas jogavam à bola ou à pincha, para o que não raramente se tornava necessário surripiar alguns botões. E todos conhecemos casos de grandes homens que se formaram neste caldo de dificuldades.  
Naturalmente que só um louco, muito louco, desejaria o regresso a este passado. Mas é fácil verificar que se passou de um extremo ao outro. As nossas crianças não brincam. E não caminham. E não conversam.
O pai ou a mãe, se isso fosse possível, levariam o carro até à carteira. E no pequeno percurso, do carro ao portão, o pai ou a mãe carreiam a mochila… noutros tempos uma saca de serapilheira bastava para a lousa e o lápis de pedra.
Três ou quatro crianças juntam-se, hoje, bem perto, cada qual com seu telemóvel, não raramente de gama alta. E assim se entendem, sem se falarem. Sem se socializarem, conforme a linguagem técnica.
Bem sei que os perigos hoje são outros, todos os dias nos chegam notícias dolorosas de crimes com crianças.
Tomemos, pois, todos os cuidados. Sejamos vigilantes atentos. Mas deixemos as nossas crianças brincar. Não deixemos que, já adultos, concluam que não foram crianças…
(Escrito de acordo com a anterior ortografia)

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