Desabafo de um homem solitário

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> Helena Terra

Sou filho do Manolo Messa, mas todos me conhecem como o homem do vidro. Muitos foram os que sopraram vidro, a sério, aqui nesta terra. Houve quem lhe chamasse uma indústria e, a sua importância económica em meados do seculo XX, por cá, confere coerência a este conceito.
Mas eu prefiro chamar-lhe uma arte, tanto mais que, agora, por cá apenas existe como tal no Berço Vidreiro. Nele as peças produzidas, sopradas com a mestria de sempre são todas únicas porque, pela especialidade da técnica do sopro, não é possível fazer duas iguais, usando a forma que, hoje, aí é usada. A minha figura é a de um trabalhador vidreiro e só sou um figurão por via das minhas dimensões, não obstante e sem falsas modéstias, me achar uma boa figura.  O meu “retrato”, todos sabem, está pintado na parede de um edifício situado na Praça da Cidade. O meu pai é um dos mais conceituados artistas da arte urbana espanhola com obra espalhada por outros países.
A arte urbana, surge como uma forma de democratização da arte e permite que, no nosso país, como noutros, sejamos agradavelmente surpreendidos por desenhos nas ruas, em painéis, fachadas e grandes muros, quais galerias de arte a céu aberto, nas quais artistas, muitos deles notáveis e reconhecidos, como é o caso do meu pai, transmitem mensagens importantes e dos mais diversos tipos, marcando períodos da nossa história dos quais se constituem como testemunho.
A arte urbana, começa por nascer, como uma arte, quase “vagabunda” e “revolucionária”, mas hoje constitui já uma atração de obras conhecidas e reconhecidas, nomeadamente por poderes públicos. Creio que o seu nome advém do facto de ser uma arte que torna alguns espaços públicos gastos e pouco apelativos em espaços mais luminosos e apelativos.
Aceitei vir morar para o prédio onde resido, desde 2019, porque é uma zona central do tecido urbano da nossa cidade. É uma zona frequentada por muitos jovens, sobretudo em tempo letivo, além disso, deram-me a possibilidade de alegrar a alma com os risos da criançada que se diverte no parque infantil situado à minha frente. A convivência próxima com crianças é boa para nos ajudar a manter a juventude.
Mas, já tinha ouvido dizer que Deus nos livre de um mau vizinho ao pé da porta. Confesso que só há pouco tempo percebi o alcance desta verdade popular tantas vezes repetida. Agora tenho uns vizinhos “emigrantes” que não são, para mim, uma boa vizinhança. Não sou um velho do restelo, ao ponto de ter o que quer que seja contra a emigração, bem pelo contrário. Os emigrantes foram muito importantes no surgimento de uma série de equipamentos privados, e muitos de interesse público, nomeadamente uma grande parte das edificações desta praça. Alguns, senão todos os emigrantes que regressaram à sua terra, deixaram marcas na sua história, quase todos, já cá não estão, mas têm descendentes que são os herdeiros da sua honra, do seu património e das suas memórias.
Vim para aqui para fazer uma boa e grande figura e, não para fazer figurinhas e, sempre me disseram, diz-me com quem andas e dir-te-ei quem és. Tenho pensado muito nisto e sinto-me muito triste, afinal já me tinha habituado a viver aqui, mas confesso que agora sou eu que começo a pensar se não será melhor emigrar…

 

Helena Terra,  advogada

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