27 May 2024
> Helena Terra
“Nas nossas democracias a ânsia da maioria dos mortais é alcançar em sete linhas o louvor do jornal. Para se conquistarem essas sete linhas benditas, os homens praticam todas as ações – mesmo as boas.” (Sic. Eça de Queirós).
No ano em que se comemoram 50 anos sobre a conquista da liberdade, pilar que sustenta a nossa democracia, e que foi possível pelas portas que abril abriu, é bom que relembremos o que é viver em democracia e, sobretudo, sem pôr em causa os seus principais pilares fundamentais. Não é possível vergar diante do politicamente correto de algumas esquerdas, nem perante a pressão mediática de algumas direitas, posto que uma e outra põem em causa o mais elementar exercício discursivo mediático.
Apesar de sermos um país de gente grande, corremos o risco de nos transformarmos num Portugal dos pequeninos, tal é a pequenez das questões com que ocupamos o tempo, que é escasso, devendo ser ocupado com coisas essenciais. E é a casa da democracia que começa por dar esse exemplo, um mau exemplo. Saber se são abusivas expressões que surgem como “buchas” de oralidade metidas no meio de uma intervenção parlamentar, marcar a agenda de vários dias com tal coisa é aterrador. São políticos experimentados que surgem, quais virgens ofendidas, a fazer um número de circo para prime times televisivos. São juristas de reconhecida craveira a discutir se constitui crime algo que eles próprios têm a certeza que não é, mas são capazes de fazer ceder a sua honestidade intelectual, em prol da agenda mediática e das tais benditas sete linhas do jornal.
E saído o exemplo da casa mãe da democracia eis que se espalha, qual mancha de óleo, que contamina todo o espaço mediático, com mais um sem número de supostos especialistas a perorar sobre o valor de uma “bucha” discursiva, ampliando o valor do seu autor, de modo que, o seu valor aparente se confunda com o seu real valor. A isto, além de absurdo, chama-se dar vários tiros nos pés.
Cada vez mais, vivemos um tempo em que se fosse possível decretar bom senso, as páginas do Diário da República iam-se multiplicando.
Um balão de ar, não é mais que um balão de ar. Para deixar de o ter podemos tomar uma de duas atitudes: ou nos esquecemos dele deixando que, as mais básicas leis da física provoquem o seu esvaziamento, ou deliberadamente o esvaziamos. Se o queremos esvaziar não lhe podemos dar eco. É isto que é necessário fazer perante a política panfletária que vai crescendo, não só no nosso país, mas também no nosso país.
Nos últimos anos da nossa democracia a preocupação com as questões vazias do politicamente correto tem vindo a dominar o espaço discursivo parlamentar e, consequentemente, todo o espaço mediático.
Na programação televisiva, temos programas do tipo reality show ou, serviços “noticiosos” ocupados em discussões sobre o sexo dos anjos ou, ainda uma série infindável de palpiteiros do mundo do futebol.
Efetivamente, a ânsia da maioria dos mortais é alcançar em sete linhas o louvor do jornal... algo que vem de longe, mas hoje não são sete linhas, são várias páginas e várias horas. E, porque vivemos num país democrático, com liberdade de expressão, digo-vos:
- É preciso paciência de chinês!
Helena Terra, Advogada