23 Dec 2025
Ricardo Bastos
Estamos no mês mágico. Aquele mês em que até as pessoas adultas se esmeram e ficam mais dóceis, mais simpáticas, mais solidárias, até. Aquela máxima de que “Natal é sempre que o Homem quiser”, neste mês, tem um sabor diferente porque, de facto, em Dezembro o espírito é outro. Nos restantes meses esquecemos um pouco, no entanto, sim, a criatura de Deus-Homem ao longo do ano vai variando a sua postura e atuação conforme os seus estados de alma e vai mudando a sua atuação conforme os estímulos que a vida lhe vai infligindo também.
Vem isto a propósito de algo que me marcou muito na infância e que muitas vezes recordo. Era eu miúdo, criança mesmo. Criança de uma família com parcas posses para o supérfluo mas onde não faltava o essencial. Estávamos perto do Natal e uma senhora de Espinho, cliente do meu pai, deu-lhe um brinquedo para o filho. O Ricardo naquele ano recebeu um fabuloso avião. Um avião a jato que, com pilhas, avançava com um som poderoso, parava, recolhia as asas enquanto abria a escotilha e acendia luzes. Recebi o melhor brinquedo que alguma vez tinha recebido e preparava-me para ter longas horas de prazer com tal dádiva. Só que... Só que não. O meu pai, zeloso e com medo que eu estragasse rapidamente a pérola, nunca, ou quase nunca me deixou brincar com ele para não estragar. Estou certo que em pouco tempo o desmontaria e voltaria a montar; mas teria brincado e retirado o prazer e ensinamentos que todos os brinquedos devem transmitir.
Há alguns anos, o meu pai deu-me um saco de plástico com algo que “vais gostar muito”, disse com orgulho. Era o famoso avião. Impecável, embora com um pouco de ferrugem aqui ou ali. Impecável como algo que nunca foi usado pode estar. Agradeci mas sozinho chorei a olhar para aquilo. Chorei a olhar para aquela inutilidade e frustração.
Estamos na altura certa. Vamos dar coisas, mas é dar mesmo. Deixar as crianças usarem, estragarem de uso, se caso for. Gosto quando as coisas se estragam de uso e não por falta dele.
As crianças vão usar, vão aprender, vão cuidar, até, vão crescer e criar memórias com o que lhes vamos dar.
Bom Natal, mas daquele que vale a pena. Bom Natal com tudo a que temos direito. Bom Natal a todas as Famílias.
Estamos juntos.
* Organizador das ‘Corridas Solidárias’