28 Jan 2025
Natural de Oliveira de Azeméis, Bernardo Gomes é médico de saúde pública na Unidade Local de Saúde de Entre Douro e Vouga eleito presidente Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública
> Bernardo Gomes é o novo presidente da ANMSP
O especialista em saúde pública Bernardo Gomes tomou posse no passado dia 03 de janeiro como presidente da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública (ANMSP). Natural de Oliveira de Azeméis, Bernardo Gomes é médico de saúde pública na Unidade Local de Saúde de Entre Douro e Vouga e esteve na Azeméis TV/FM para falar sobre saúde pública e do seu novo cargo.
A nomeação para a presidência. “O mérito é do grupo que me empurrou para a frente, porque eu não estava com isto em mente. O que aconteceu foi que houve uma viragem, a certa altura, após uma pessoa que segurou a associação durante muitos anos, o Dr. Mário Jorge Santos. O Dr. Ricardo Mexia pegou na associação, revitalizou a associação e isto coincidiu, passado pouco tempo, com a pandemia Covid-19. E, de repente, nós fomos chamados à linha da frente e começamos a participar muito em termos de órgãos de comunicação social. O Ricardo Mexia fez esse trabalho de reabilitação, depois sai, dá lugar ao Gustavo Tato Borges, que fez um excelente trabalho no seu mandato. (…) Chegamos à altura em que havia a necessidade de arranjar uma pessoa para um mandato seguinte. Eu confesso que eu próprio não fui a minha primeira escolha, eu queria que outra pessoa fosse. E tentei. Mas, na prática, o que me ‘calhou’, foi a missão de estar à frente de um grupo de pessoas muito talentosas. Muitas delas certamente mais talentosas do que eu.”
A transição para as ULS. “Uma grande diferença com a fusão das Unidades Locais de Saúde, tem haver com uma coisa fundamental, que era aquilo que era pretendido, que era uma fusão institucional e articulada entre cuidados hospitalares e os cuidados de saúde primários. Aquilo que nós conhecemos há muito tempo como centros de saúde, mas que já tinham passado pela reforma de 2009 e que fizeram surgir as chamadas unidades de saúde familiares, mas também destacar todo o conjunto de unidades que apareceu,que prestavam cuidados na área da enfermagem, na área da nutrição, na área da psicologia. E, portanto, na prática, aquele que é o grande mote e a razão destas unidades locais de saúde acaba por ser a chamada integração de cuidados, ou seja, termos uma continuidade e uma comunicação mais clara entre as várias unidades”
Transição “não está a ser pacífica”. “Esta transição não está a ser pacífica em todo o país. Há zonas de país bem mais difíceis do que a nossa. O próprio sistema de saúde, nesta altura, está a passar por uma transição difícil. (…) Por baixo da superfície, digamos, da governação política, todo o processo de transformação administrativa e institucional é tremendo. O trabalho está a ser feito e a adaptação. Eu sei, de facto, que é algo que às vezes é difícil imaginar, todo o trabalho que está a dar, converter a arquitetura das antigas instituições regionais de saúde, distribuir as suas competências, os seus funcionários, tudo aquilo que era, e fazer com que este processo seja contínuo. Ou seja, acho que ainda vamos ter um ano difícil. Acho que é preciso mesmo muita paciência e muito trabalho, independentemente das circunstâncias. O peso da transformação institucional desta reforma é tremendo”
A especialidade médica de saúde pública. “A especialidade médica de saúde pública é uma especialidade por natureza multidisciplinar e essa é uma das coisas que atrai bastante gente para a especialidade. Nós não temos dias iguais, nós não temos uma prática clínica fixa de consultório ou de bloco operatório ou de urgência. Temos um conjunto de funções que são presentes em toda a região europeia, como a promoção da saúde, a prevenção da doença, a gestão de vários programas que as pessoas podem não associar, mas que são geridos por nós, desde a questão da vacinação, a questão da saúde escolar, a questão de todas as colaborações em termos de vistorias, de eventos, ou seja, de verificação de condições para que se enquadre também num conjunto de funções que nós temos da chamada Autoridade de Saúde”
O problema do consumo de água não controlada. “É certo que, obviamente, correm o risco por estarem a consumir água não controlada de poço, por várias questões de saúde. Obviamente que o melhor é ligarem-se à rede. No entanto, há duas, três circunstâncias. Eu julgo que a questão cultural é muito marcada, ou seja, a questão da tradição, a questão de eu sempre fiz assim. Não são vocês que me vão dizer que eu tenho que fazer diferente. E a perceção da autonomia e do seu próprio espaço é algo que é muito valioso, ainda mais nos dias de hoje. (…) Nós temos presente já antes da questão da pandemia Covid-19, uma tendência na medicina, pelo menos da forma como nós estávamos a ver as coisas, das pessoas preferirem, em algumas circunstâncias, afirmarem-se pela diferença. Ou seja, a norma é fazer isto, então faço aquilo”
A situação da sem-abrigo Carla Alexandra. “Esta é uma discussão que nós temos até um projeto pioneiro, que tem a ver com uma das áreas em que eu me ocupo, que é a saúde mental populacional e alguns aspetos concretos da forma como pode ser gerida. Muitas vezes nós ouvimos falar da saúde mental, de problemas que ocorrem, mas há um trabalho de fundo que pode ser feito enquanto sociedade, enquanto comunidade, para tentarmos evitar males maiores e ajudar a fazer com que as pessoas se sintam melhor. A saúde mental é algo difícil. (…) Muitas das vezes essa ajuda não passa pelo que é retirar a liberdade à pessoa, nem que seja provisoriamente. Aquilo que fazemos [Autoridade de Saúde], é se há uma doença psiquiátrica grave ou suspeita de que aquela pessoa não quer tratamento ou não o procura, e representa um perigo para si ou para terceiros, pode haver lugar aquilo que se chama emissão de mandato de condução. E essa pessoa vai acompanhada, pela autoridade policial, à urgência metropolitana, para ser avaliada por colegas psiquiatras que determinam se há necessidade de fazer o chamado tratamento involuntário. A esmagadora maioria dos cenários que nós falámos são exatamente aqueles que isto não se enquadra, porque as pessoas têm o direito à sua autonomia e retirar a sua liberdade, nem que seja provisoriamente, é algo que nós devemos encarar com os devidos cuidados”
A dificuldade de cativar os jovens. “Nós temos um grave problema para enfrentar, que tem haver com as pessoas que estão a concluir a especialidade e estão a ir embora. Têm competências, são muito procuradas para o mercado de trabalho internacional, mas também nacional, e as pessoas vão-se embora. E, portanto, nós temos que realmente ter aqui um cuidado de criação de incentivos e de competências e de contexto de trabalho. O reconhecimento de algumas especificidades da saúde pública que foi feito recentemente, mesmo até a bonificação da questão da autoridade de saúde ajuda alguma coisa, mas aquilo que os mais jovens dizem é que têm mesmo um anseio de fazer algo diferente num contexto diferente”
A falta de valorização do profissional de saúde. “Houve um esforço da valorização e já agora dou um salto maior do que isso porque acho que a pergunta merece que é, o problema não é só a especialidade médica de saúde pública ou só os médicos. O problema é que, eu dou o exemplo dos médicos que estiveram entre 2013 e 2023 sem valorização salarial. Portanto, foi uma década. Nós podemos estar a falar de querer defender o Serviço Nacional de Saúde mas se não investimos nos profissionais. Houve um desinvestimento marcado na carreira de muitos funcionários públicos, na administração pública como um todo. E, portanto, isso é um forte sinal de deixar as pessoas fugir”