4 Jul 2022
Em tempo de aniversário
A nossa Santa Casa da Misericórdia é mais jovem que o seu Hospital. Criado pela generosidade de Manuel José Ferreira Alegria, de sua esposa D. Amália Augusta Dourado Alegria e de Alexandre José Correia Vilar, haveria que assegurar a gestão do novo estabelecimento hospitalar.
A Misericórdia tem por data de nascimento 26 de Outubro de 1891 e em 4 de Maio de 1892 tornou-se efectivamente proprietária do edifício: aqueles beneméritos assim o declararam na presença do tabelião interino António José Marques. No entanto, e apesar de devidamente apetrechado, o Hospital tardaria cerca de três anos e dois meses a entrar em funcionamento, para o que muito terá contribuído a “moléstia da política caseira”, em que se digladiavam os nossos Progressistas e Regeneradores. Sem ver assegurados os meios suficientes, a Misericórdia recusava-se a abrir o Hospital e os autarcas de então afirmavam não possuir capacidade financeira para prestar o auxílio necessário.
Revoltado com este protelar, Camilo Pacheco da Costa Ferreira - o grande e injustamente esquecido benemérito que entrou na história pelo nome de “Camilo da Fábrica” pela razão de haver fundado e gerido, durante longo tempo, uma fábrica de curtumes no Alto da Fábrica, em Santiago de Riba-Ul - agregou a si mais catorze benfeitores que, mediante escritura pública, responsabilizaram-se em subsidiar a Misericórdia, pelo prazo máximo de cinco anos, com a quantia anual de trezentos e trinta e dois mil e quinhentos réis; verba que, somada aos rendimentos da instituição, perfazia a quantia de um conto de réis, total “orçado anualmente para toda a despesa com alimentação, dietas, medicamentos, bem como para ordenados e alimentação dos empregados”. Grandes Oliveirenses!
Reunidas as condições mínimas, o Hospital abriria as portas no dia 1 de Julho de 1895. Completam-se agora 127 anos. A nossa provinciana vila conquistava a vanguarda. Os hospitais mais próximos eram os do Porto e Aveiro
A Misericórdia geriu o Hospital – promovido a Distrital em 1971 - desde a fundação até a nacionalização destes estabelecimentos, determinada pelo Decreto de 7 de Dezembro de 1974, subscrito pela Ministra Maria de Lurdes Pintassilgo, que confiava a gestão a comissões nomeadas por despacho do Subsecretário de Estado da Saúde.
A nova administração não poderia viver imune ao espírito revolucionário da época, quando as mudanças governamentais se sucediam ao ritmo das correntes partidárias dominantes, e a primeira resolução dos novos gestores foi a expulsão das religiosas, que ali colaboravam desde 1935 – decisão natural, mas, talvez, com alguma humilhação desnecessária. Simultaneamente, e com indisfarçável espírito anti-religioso, o desaparecimento da capela - desde sempre aberta ao público - em moldes que não podiam deixar de ferir quantos ali se deslocavam para as práticas religiosas habituais. Também a destruição dos quartos particulares… disse-se então que com paradeiro desconhecido dos lavatórios e jarros em rica faiança.
A longa história do nosso Hospital não cabe, naturalmente, nos limitados horizontes de um apontamento. Como em tudo na vida, caldeiam-se os períodos de esplendor e os tempos de decadência, até de alguma vergonha, como se verá adiante.
Momento alto terá acontecido em 25 de Maio de 1935, com a inauguração de uma nova maternidade, instalada e apetrechada a expensas das beneméritas Maria Rizzo Terra e Branca Cruz. Oliveira de Azeméis ocupou, então, lugar de vanguarda. O cortejo para as obras de ampliação, que mobilizou todo o concelho, é página de ouro da história local. Com ele e dotações do respectivo ministério, também a bênção do Dr. Albino dos Reis, permitiram-se obras de ampliação.
Promessas também não faltaram. Uma delas conduziu a que a nossa Câmara subsidiasse o projecto de grandes obras. Projecto para a gaveta. Doutra vez, um ministro, de visita, garantiu que, conseguido terreno em zona própria, teríamos novo edifício. Que ainda não chegou.
Sabe-se que a autonomia do nosso Hospital terminou há muito: desde o Decreto de 5 de Julho de 1977, a criar o Centro Hospitalar São João da Madeira / Oliveira de Azeméis. Foram várias as alterações ao longo dos tempos, quedando-se na actual, a criação do Centro Hospitalar de Entre o Douro e Vouga, com sede em Santa Maria da Feira, na sequência da publicação do Decreto-Lei de 27 de Janeiro de 2009, agrupando o Hospital de São Sebastião, (Santa Maria da Feira), o Hospital de São João da Madeira e o Hospital de São Miguel, com efeitos a partir de 1 de Fevereiro seguinte.
Os momentos mais negros situaram-se no final da década de setenta do passado século, quando o nosso Hospital ocupou largos espaços de toda a Imprensa, com títulos como “fábrica de deficientes” ou “matadouro”, face ao elevado e anormal número de partos mal sucedidos, juntando-se graves e provadas acusações de médicos e outros profissionais de saúde a receber o que não lhes era devido.
O consagrado jornalista Aurélio Cunha, do JN, especialista nestas investigações, foi autor de sucessivas reportagens, sintetizadas na obra “Um repórter Inconveniente”, saída dos prelos em 2015. Ali pode ler-se que o Procurador Carlos Alegre, nomeado expressamente para o inquérito, reconheceu “que a sindicância realizou-se com seis ou sete anos de atraso… ficando impunes muitas e graves faltas que, em consequência da prescrição, já não é possível perseguir”.
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O nosso Hospital celebra os 127 anos de vida em situação de visível subalternização relativamente aos seus parceiros de Centro Hospitalar. Talvez mais de metade do edifício encerrado e em degradação. Serviços que foram modelo, como a “clínica da dor”, desapareceram há muito. Terá de ser assim, de continuar assim?
Mas custa aceitar resignadamente que conterrâneos nossos, apaixonados oliveirenses, preocupados, por exemplo, com a alteração da data do feriado municipal, jamais tenham reclamado um outro olhar para o nosso Hospital.
Sinais dos tempos.
(Escrito de acordo com a anterior ortografia)