20 Jun 2022
Dr. Carlos Patrão *
II. Possíveis consequências no direito e instituições internacionais e papel dos Tribunais Internacionais
I. No dia 24 de Fevereiro do corrente ano (ou seja há pouco mais de três meses) a Rússia, sem prévia declaração de guerra, iniciou a invasão militar da Ucrânia.
Para tanto reuniu várias centenas de tanques e outros veículos blindados na vizinha (e aliada) Bielorrússia, mobilizou mais de 200.000 militares e efectuou o bombardeamento de cidades, fábricas, escolas, hospitais, museus, edifícios e zonas habitacionais, bombardeamento este levado a cabo por meios aéreos e pela sua frota naval estacionada no mar negro e no mar de azov.
Todos vimos imagens desta guerra, por vezes em directo, a começar pela longa fila de blindados com 20, 60 e 80 km’s que se encaminhavam para Kiev (capital da Ucrânia); vimos também prédios e casas de habitação destruídos, escolas, mercados, indústrias e zonas industriais, singelos estabelecimentos comerciais, estradas, pontes, linhas de caminho de ferro e estações ferroviárias, etc., arrasados e reduzidos a escombros pelos bombardeamentos russos, por vezes feitos a centenas e até a milhares de quilómetros de distância. Chamar a tudo isto “operação militar especial” não deixa de ser um eufemismo maldoso que nem os tolos engana.
Sim, o que a Rússia fez e está a fazer na Ucrânia é uma agressão militar, armada, com recurso à sua melhor e superior tecnologia e equipamento militar. É uma guerra que só podia ter – como teve e tem – por objectivo a destruição da Ucrânia, a dispersão e fuga da sua população (fala-se já em 8 milhões de refugiados – mais de 1/5 da população do país), a destruição das suas cidades e das suas infraestruturas.
Do ponto de vista ético trata-se (pois a guerra – cada vez mais feroz – ainda decorre) da mais pura maldade, ódio e crueldade que jamais poderá ser esquecida nem justificada.
Mas como foi tudo isto possível na Europa, no século XXI? – perguntamo-nos. Será que regressamos à barbárie, à lei do mais forte, às conquistas de território, à supressão física e eliminação massiva dos adversários e discordantes só por o serem?
Então as organizações internacionais (ONU, Unicef, União Europeia, etc.) não conseguiram evitar nem parar a guerra movida pela Rússia à Ucrânia?
É justamente aqui que bate o ponto, a saber: a constatação da inutilidade dos organismos internacionais para evitar a guerra. E por muito que custe admiti-lo (ou não fosse o português António Guterres o secretário-geral da ONU), a ONU foi irrelevante. Foi irrelevante porque, que se saiba nada fez. Tanto assim que a deslocação, única, do secretário-geral a Moscovo só aconteceu mais de dois meses após o início da guerra e o seu objectivo (não conseguido) era o de acordar e criar corredores humanitários para a evacuação dos civis das cidades destruidas por bombardeamentos russos. À data desta crónica parece que a preocupação da ONU é a da criação de um corredor marítimo para exportação da produção agrícola de cereais (trigo e milho da Ucrânia)**.
Dir-se-ia que a ONU reduziu as suas iniciativas de intervenção na guerra a aspectos de carácter humanitário que, por bem que lhe fiquem – e ficam - são uma abdicação de ir mais longe no sentido do cumprimento dos fins para que foi criada.
Haverá no entanto que convir que o desenho da ONU – tal como foi criada pela Carta que a instruiu em 1945 – não ajuda nada quer à possibilidade de intervenção da ONU na guerra quer a uma intervenção profícua do ponto de vista da manutenção da paz.
É que funcionando a AG das Nações Unidas como órgão deliberativo e proclamatório, as suas decisões não têm força coerciva ou, dito de outro modo a AG não dispõe de mecanismos que imponham pela força as suas decisões.
Depois o órgão executivo, se assim se pode dizer, dotado de força coerciva na imposição de decisões é o Conselho de Segurança.
Ora, neste, têm assento permanente (os ditos cinco membros permanentes) os EEUU, a Rússia (herdeira da URSS), a China, a França e o Reino Unido, a cada um dos quais foi atribuido estatutariamente o direito de veto. E é com recurso ao direito de veto que qualquer dos cinco membros permanente paralisa o Conselho de Segurança, inviabilizando a actuação deste nas questões que os afectem e ao seu sistema de alianças.
** A questão é da maior relevância por duas razões:
porque a Ucrânia é um dos maiores produtores de cereais do mundo e desses cereais dependem vários países, designadamente africanos, para alimentar a sua população;
porque a Rússia está a saquear este e outros recursos da Ucrãnia: carrega navios graneiros que depois entrega em países africanos como oferta sua; do mesmo modo a Rússia está a apoderar-se de ferro e de outros recursos Ucranianos com que carrega navios que os transportam para a Rússia (e o saque como recurso ou prémio dos vencedores é coisa que já não se via desde a idade média; do mesmo modo quanto à prática de violação de mulheres a que os russos também recorreram na Ucrânia como arma de terror e amedrontamento).
(Continua na próxima edição)