7 Mar 2023
Urb@nidades - Rui Nelson Dinis
Rui Nelson Dinis *
Os milhares de mortos dos sismos na Turquia e Síria, ou o recente acidente de comboios na Grécia, recordam-nos a perenidade da vida e o desafio humano, entre a memória e a dor, de compreendermos a linha fina entre a imprevisibilidade natural e o risco (independente da intervenção humana), ou a capacidade humana, propícia à grandeza, mas também permeável ao erro.
Em 4 de março último, passaram 14 anos desde o trágico colapso da Ponte Hintze Ribeiro de 2001, onde perderam a vida 59 pessoas em Entre-os-Rios. Paz às suas Almas.
Um momento dramático para o País, sobretudo para as famílias das populações do Concelho de Castelo de Paiva, de onde eram originárias a grande maioria das vítimas.
A dimensão das consequências da tragédia, que teve as consequências políticas conhecidas, acabou por não ter resultados de natureza criminal. Mais do que as vítimas, o Portugal de então procurou avidamente pela culpa – era preciso culpar alguém!
A sociedade portuguesa, na sua visão judaico-cristã assente na culpa individual, teve sempre dificuldades em compreender que a vida moderna assenta basicamente numa gestão episódica e caótica de riscos, nem sempre controláveis ou evitáveis - o que não invalida que tudo se deva fazer para que não se concretizem.
O mais importante, para lá do exagero de resposta em algumas matérias, será reconhecer o abandono a que algumas regiões do território português foram entregues em pleno seculo XXI – com a desertificação de vilas e aldeias, abandono das terras e florestas e o envelhecimento acelerado.
O mais consequente, contudo, foi o desenvolvimento de um programa rigoroso de inspeção das pontes do País – que devemos com justiça sublinhar -, que detetou e desencadeou respostas a outras situações de emergência (como foi o caso da ponte de Barca de Alva, que estava no limite do risco), bem como o desenvolvimento profissional de um sistema de gestão e conservação de obras de arte (pontes e outras estruturas especiais), que permite assegurar a monitorização ou o acompanhamento das quase 5.800 pontes existentes na rede rodoviária nacional (algumas herdadas dos romanos) e que reduziram - ou quase inviabilizam - a possibilidade de ocorrência de situações similares.
Não podemos impedir todos os fatos naturais, nem evitar todos os riscos, mas devemos assumir que, estados de espírito à parte, o respeito e a solidariedade com a dor dos familiares e amigos que se perderam em Entre-os Rios, mereciam a memória de uma resposta organizada e profissional.
A Responsabilidade é o exercício mais justo e lúcido para quem tem por dever honrar a Memória da Vida.
(comente em: dinis.ruinelson@gmail.com)