O Esplendor dos Sentidos

Urb@nidades - Rui Nelson Dinis

Rui Nelson Dinis

Na sequência da morte brutal de duas mulheres no Centro Ismaelita de Lisboa, que geraram uma onda de consternação e tristeza em Portugal, uma das mulheres – Mariana Jadaugy, sócia do Sporting Clube de Portugal – foi alvo de uma homenagem em pleno estádio de Alvalade, com um minuto de silêncio acompanhado de um longo coro de aplausos, da parte dos milhares de pessoas presentes.

Não escrevo sobre a tragédia em si – por profundo respeito pelas vítimas, suas famílias e amigos. Escrevo, sim, sobre a estranheza e aparente contradição entre o formalismo individual que se pretendia (o minuto de silêncio) e o comportamento coletivo que se seguiu – os sonoros aplausos que cortaram o silêncio, na expressão dos milhares de pessoas ali presentes. Foi violado o silêncio, mas reforçado o sentimento da homenagem pretendida.

Não há regras, nem etiqueta segura para estas situações. Todos percebemos para que serve um “minuto de silêncio”, público e coletivo, mas em parte alguma está estabelecida a forma ou contornos para o fazer. Por vezes, o minuto não é um minuto de tempo: é mais, ou é menos. Outras vezes, o silencio é cortado por ruídos ou barulho (ainda que em respeito), como acontece com os aplausos.

Há quem se indigne com ambas as situações. O silêncio pode ser confrangedor para alguns, que não o respeitarão. Os aplausos em vez de silêncio, por seu lado, podem ser incompreendidos, mas também podem ser sentidos.

Depende da pessoa, da profissão, da carreira, das circunstâncias. Estive no funeral de Eusébio (não sou benfiquista), curvei-me e aplaudi à sua passagem. Em muitos outros casos, também aplaudi. Depende das situações, quando tal não significa qualquer ofensa.

Uma homenagem num espaço aberto, amplo, com milhares de pessoas, a uma jovem repleta de vida e esperança, com destino amaldiçoado por alguém a quem serviu e ajudou, pode bem levar-nos a exprimir a tristeza em aplausos. Como o sentirão aqueles que aplaudem a despedida de artistas, músicos, cantores. Ou jovens. Heróis ou heroínas – como foi o caso. Na verdade, depende muito mais do caso, da situação ou do contexto, do que de qualquer outro protocolo. Depende do sentido individual e da forma de expressar coletiva.

Há depois aspetos particulares. Em Coimbra, por exemplo, discute-se muito se o fado de Coimbra deve ou não ser aplaudido – mandando a tradição que, em espaço aberto, as palmas sejam substituídas pelo pigarrear na garganta, um murmúrio tossico de sentido apreço. Era normal, pela solenidade do fado e, ao ar livre, por razões ligadas à necessidade de silêncio e sobriedade das emissões radiofónicas para a Emissora Nacional, nos idos anos 40 e 50 do século passado (como contava Camacho Vieira e outros cultores do fado de Coimbra), mas também, quiçá, pelo frio, que levava os estudantes a ouvirem o fado ao ar livre enrolados nas suas capas e mantendo-se assim quentes (suponho eu).

Mas em espaços mais pequenos e fechados (que não a Sé Velha ou em serenatas), o fado também pode (ou deve) ser aplaudido. E até acompanhado de uns urras ou outras “bocas” mais ou menos zoológicas. Já no fado de Lisboa, será uma desgraça se não for aplaudido e acompanhado de umas palavras brejeiras. Estas coisas raramente são pacíficas e raramente regulamentadas, levantando sempre dúvidas do que se deve ou não fazer - tendo em conta as circunstâncias da situação, o comportamento coletivo e o sentir em cada caso.

Para memória futura, informo que se algum dia fizerem um minuto de silêncio por mim (suponho que não acontecerá, por ausência de razão justificativa), espero que tenham boas razões para aplaudir. 


(comente em: dinis.ruinelson@gmail.com)

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