Carlos Costa Gomes *
Escrevo esta crónica depois da aprovação da lei da Eutanásia pelos deputados da Assembleia de República cujo resultado foi sufragado por maioria dos deputados. A corrida desenfreada sobre a elaboração desta lei, que é eticamente inaceitável, ultrapassou o limite razoável no sentido em que se construiu uma norma jurídica sobre enunciados éticos errados.
A pressa de depressa aprovar a lei que permite a uma pessoa fazer o pedido para ser morta, mas que não pode decidir sobre a sua morte – encapotada de Morte Medicamente Assistida - revela contradições insanáveis que só o fervor político foi capaz de ver o que os portugueses não viram – a criação de uma lei que não é, manifestamente, uma preocupação nacional; revela contradições que políticos não quiseram ver nem ler os pareceres negativos das Ordens Profissionais da Saúde, entre outras entidades. Tudo isto em nome da evolução civilizacional apresentando a Eutanásia como uma evolução social e cultural da saúde.
No entanto, enquanto os nossos deputados consideravam a lei a Eutanásia um desígnio nacional, os noticiários abriam e abrem com as notícias do encerramento das urgências – obstetrícia - de hospitais de norte a sul do país. Afinal, o que deve ser um desígnio nacional que a vida da saúde das pessoas, foi relegada para segundo plano porque o importante era tratar da morte - quando a pandemia e a falta de acesso a cuidados de saúde, consultas, tratamentos e intervenções cirúrgicas fez e faz morrer tantos portugueses -; o importante, na realidade, era mesmo aprovar a lei que dá licença ao SNS para matar, para dar a tal resposta à conquista civilizacional que os proponentes consideram ser a eutanásia indispensável.
Antevejo, como no Canadá, que aprovou a lei da eutanásia em 2016 (alterada em 2021) para doenças terminais, que substituiu o conceito de terminalidade por “doença ou deficiência que não possa ser curada/aliviada em condições que o próprio considere aceitável”, tornando-se num caos moral onde tudo vale para por nada valer.
No país acima referido, é permitido que as pessoas que consideram não ter rendimentos para ter uma vida digna possam pedir para ser mortas; ao invés o país não gasta dinheiro para que as mesmas possam viver, mas paga para morrerem; mata-se quem não pode pagar tratamentos médicos.
De facto, a gravidade de abusos em países em está aprovada a eutanásia é alarmante. O Estado canadiano, através do Gabinete Parlamentar do Orçamento, deu a conhecer um relatório sobre a poupança do Estado com o recurso à eutanásia (após as alterações de 2021 cerca de 148,9 milhões por ano) e a comparação do custo de tratamento de um doente crónico (muito milhares de dólares canadianos) em comparação com o que o estado gasta num caso de eutanásia $2.327. (ASC). Mas sobre estes casos dramáticos podíamos também falar da Bélgica e de outros países, onde, na verdade a “rampa deslizante” não é uma falácia, mas uma realidade concreta.
Uma sociedade mede, eticamente, o seu desenvolvimento pela forma como cuida dos mais frágeis. Torna-se urgente empreender uma séria reflexão ética sobre a morte, sobre a doença e o sofrimento, temas centrais para a vida individual e coletiva; esta reflexão definirá a sociedade que seremos no futuro. Eu não quero um SNS que tenha licença para matar.
* Prof. Doutor Ética e Bioética ESSNorteCVP e Pres. da Direção Nacional do Centro de Estudos de Bioética