16 Oct 2025
> Henrique Sá Couto
Vem a Propósito....
1972 Janeiro.
Hospital pequeno mas bonito e razoavelmente equipado para a época no Interior de Moçambique, pela Zamco, consórcio para a construção da que seria e uma maravilha da engenharia: a Barragem de Cahora Bassa, então segunda maior do mundo.
Limpeza, luminosidade e conforto eram apanágio.
O jovem Alferes, médico fardado, ainda assume a porta da enfermaria.
Vem conhecer os seus futuros pacientes.
Os nossos olhares cruzam-se!
Dum gigante Maconde do Planalto de Mueda, capturado e ferido. Seria doravante o seu médico assistente no dia a dia.
Capturado pelas tropas portuguesas com ferimento grave numa perna, jazia numa cama sem escolta ou seguranças.
Diariamente, manhã cedo, tratava dele, remover pensos, retirar suturas, retirar e refazer gessos, etc; perante o seu silêncio, nunca trocamos qualquer palavra.
A uma pergunta minha, mutismo cerrado. Sem hostilidade contudo.
Passam-se 1 ,2 3 meses.
Um dia tem Alta do Hospital.
Passam-se meses.
O médico já avontade, vestido de branco, roupa de verão e deslocando-se todas as semanas às Companhias isoladas nos contrafortes da Barragem em construção.
Deslocava-me em avião ou helicóptero, era o possível.
Consulta sem parar, almoço uma sanduiche.
O meu querido enfermeiro Magid ao lado.
Quando o avião pousava, uma multidão do Aldeamento corria até à entrada da enfermaria.
Um dia vejo no meio daquela gente pobre
um homem a coxear, quase correndo, sorriso rasgado e numa mão erguendo um ramo de árvore transformado em muleta! Correndo em direção a mim e afastando as pessoas à volta, tão pobres como ele.
Era o meu paciente, o guerreiro Maconde!
Abraçou-me sem falar, encostando seu rosto ao meu!
Reencontrou o antes Inimigo, depois seu médico.
Acabada a Guerra, para ele ficou ali livre, contudo, mas longe do Planalto de Mueda.
Ainda hoje chorei ao recordar isto.
Henrique Sá Couto, Médico Cirurgião Pediátrico