9 Aug 2022
António Magalhães
Os fundos da União Europeia habitavam longe, do PRR ainda não se murmurava, minguados, como sempre, os recursos da Câmara, mas os oliveirenses saborearam a onda de progresso determinante para a nossa realidade.
A inauguração do nosso Hospital, em 1895, constituiria momento alto – os próximos situavam-se em Porto e Aveiro. E tudo conseguido exclusivamente por beneméritos que, agregando mais um outro punhado, assegurariam a manutenção do hospital por cinco anos.
Quase em simultâneo, foi a luta pela Linha do Vale de Vouga, com acesas lutas parlamentares, já que muitas povoações, algumas com adversários de grande peso político, a reclamavam. O abandonado “Vouguinha” chegaria em 23 de Novembro de 1908, tendo como honroso passageiro o jovem D. Manuel, que, sucessor de um pai assassinado, menos de dois anos depois seria apeado do trono.
24 de Junho de 1906 ficou a assinalar a recepção, em Santo António, ao primeiro material, pouco mais que umas bombas saudadas com festa rija, e assim nasciam os nossos primeiros Bombeiros Voluntários.
Em 1907, a 1 de Dezembro, D. António Barroso, Bispo do Porto, benzia o reservatório que ofereceu à vila a primeira rede de distribuição de água. A memória descritiva regista que foi construído, junto à “pia de nasce água”, na encosta do Monte dos Crastos, um reservatório de 60.000 litros, “todo de alvenaria, assente em argamassa hidráulica, com a cobertura em abobadilha de cimento suportada por colunas de ferro, coberta de asfalto e sobre este uma camada de terra vegetal de meio metro de espessura”; mais a canalização, toda em ferro, até à Rua do Cruzeiro, a instalação de oito fontanários ao longo do percurso, ainda uma ligação para o hospital.
O Parque de Nossa Senhora de La Salette nascia no dia 7 de Abril de 1909, quando o duro e estéril solo do Monte dos Crastos, esventrado pelas picaretas, viu quebradas a solidão e a quietude de séculos e séculos.
Se nos detivermos num breve estudo destes momentos altos da história oliveirense, encontramos facilmente concidadãos envolvidos simultaneamente em várias frentes. Mercê da certeza de injustas omissões, limitar-me-ei a recordar uma geração inesquecível, que bem poderá representar um ponto de referência para todos nós, qualquer seja a posição ocupada na sociedade. De facto, no longo rol de generosos beneméritos, nos sucessivos movimentos populares, misturaram-se os letrados com os incultos, os grandes senhores da terra com os humildes, tendo unicamente por denominador comum o desenvolvimento de uma terra que amavam apaixonadamente.
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Estão aí, uma outra vez, as nossas Festas de Nossa Senhora de La Salette, anunciadas em tempos, pelo país fora, nos primorosos cartazes de João Ramalho, como os majestosos festejos da nossa Beira Litoral.
Sabemos que “ a vida é feita de mudança”; discutindo se para melhor ou pior, haveremos de aceitá-la como sinal de evolução. Mas não esqueçamos a história. Porque uma terra sem história não é terra… E as nossas festas foram, quando vinham longe as televisões e os consequentes poderes mediáticos, o grande meio de promoção do nosso concelho. Desconhecidos eram os festivais de Verão e de Inverno… afinal de todas as estações.
Rigorosamente, as nossas festas tiveram início no dia 5 de Julho de 1870, em tempo de impiedosa seca – talvez cruel como a nossa – quando o Abade João José Correia dos Santos, nascido na Rua dos Vales no primeiro dia de 1824, acariciado pela fé de milhares de devotos, exortou, no cimo dos Crastos, a misericórdia divina.
As festas, naturalmente, foram evoluindo ao sabor dos tempos. Aos famosos acordes da Banda da GNR, da Banda da PSP, das bandas do nosso concelho, algumas centenárias, todos se sentavam, no redor do monumental coreto, num rigoroso silêncio; hoje muitas das bandas são outras, outro o instrumental… salta-se e dança-se e os sons esbatem-se lá longe, no ameaçado Atlântico.
As ementas também são diferentes. Na segunda-feira – que em 1970, após esforços de décadas, trepou a feriado municipal - já não se estendem colchas para receber os assados de frango, coelho ou anho, mais o arroz de forno e os chouriços caseiros, onde predominava o cheiro a alho, a salsa e a americano, e à volta das quais se reuniam fraternalmente as famílias, acrescidas na altura pelos emigrados que se fizeram à vida. Mas temos as famosas “farturas Couto”, talvez outras, mais e mais petiscos de toda a variedade, do colesterol tratar-se-á no inverno, quando há mais vagar.
Mudam-se os tempos… mudam-se os ventos. É a vida…
Mas não reconstruamos a alma oliveirense. Não inventemos novas datas. As Festas de Nossa Senhora de La Salette serão sempre, se assim as quisermos, as festas da nossa cidade, as festas do nosso concelho.
Momento e espaço para evocar a memória de quantos, desde o primeiro dia, e ao longo de bem mais de um século, construíram e serviram o nosso Parque, paraíso que em tempos era chamado a “menina dos nossos olhos”. Saudar também quantos nos visitam nesta época, ansiando que levem desejo de voltar, de voltar sempre.
(Escrito de acordo com a anterior ortografia)