O Perfume das Moscas

Urb@nidades - Rui Nelson Dinis

Rui Nelson Dinis *

“Assim como algumas moscas mortas podem estragar um frasco inteiro de perfume, assim também uma pequena tolice pode fazer a sabedoria perder todo o valor.” (Bíblia, Eclesiastes, 10)

A pandemia parece ter acelerado um processo de mobilidade profissional que começa a fazer parecer normal para muitos profissionais, não permanecerem mais do que um ano num determinado trabalho ou posição e mudarem logo que possível.

A dimensão e as explicações para isso são ainda reduzidas e não existe informação nem estudos suficientes para tal. As mudanças de trabalho frequentes, sistemáticas e repetidas, em períodos inferiores a um ano, mais do que evidenciarem uma maior incapacidade ou efetiva falta de compromisso com uma atividade, função, organização ou empresa, podem estar a ser encaradas pelos profissionais com uma dimensão positiva desejável para sua vida profissional – estando assim a incubar uma certa cultura de mobilidade que se poderia apelidar como das “moscas varejeiras”.

Estes insetos, para além da sua incomodidade e riscos para a saúde, são animais com hábitos saprófagos, conhecidos por viverem e se alimentarem de produtos em decomposição, restos e sobras, outros animais em fase prévia de putrefação. Por essa via, transportam doenças e podem provocar infeções em pessoas e animais, ao pousarem e saltitarem de corpo em corpo, incluindo neles as suas larvas – num sentido oposto ao que as abelhas realizam, de forma positiva, na sua atividade de polinização. 

A Bíblia refere, com a reduzida cientificidade da época, mas com elevado significado, que a entrada da mosca no frasco de perfume, podia absorver e fazer desaparecer a essência do perfume. A imagem é grosseira, mas pode ajudar a descrever a situação frequente de profissionais, sobretudo jovens, que procuram uma carreira de trabalhos de curta duração, em que se tornem moscas varejeiras e não abelhas, capazes de espalhar o pólen positivo do conhecimento entre as várias organizações.

É provável que a reduzida exigência para uma função, sobretudo quando exista uma diferença significativa entre o perfil da função e as elevadas qualificações do trabalhador, possam fazer aumentar a insatisfação e provocar a saída ou mesmo o seu abandono, pouco tempo depois de uma posição ter sido ocupada ou estar a ser exercida, numa fase ainda de conhecimento. Sobretudo, quando se trata de empregos mal pagos (os chamados “MacJobs”), ou a recusa por organizações pouco criativas ou sustentadas em tarefas mais repetitivas e estupidificantes.

Sabe-se bem que o perfil pouco técnico ou especializado também determina um período menor de aprendizagem ou adaptação, permitindo a ambas as partes (trabalhador e organização) decidirem mais facilmente sobre a satisfação ou aprovação da adequação da pessoa à função, incluindo uma avaliação sobre as perspetivas de evolução dentro da organização, potencial de crescimento, possibilidade de carreira e eventuais oportunidades.

Convenhamos, no entanto, que um período inferior a um ano pode não ser suficiente para qualquer das partes, não apenas para conhecimento recíproco, mas sobretudo para que tal permita criar níveis de eficiência para o trabalhador e para consolidar a confiança e compromisso necessários.

De qualquer forma, não será de estranhar que, para um recrutador, uma carreira e anterior constituída por uma sucessão ciclópica funções de duração muito limitada, quando não acompanhadas de justificação segura, surja como elemento de desconfiança, porquanto podem revelar uma atitude de menor adaptabilidade, insatisfação ou mesmo de insucesso – situações que podem levar à recusa para a contratação de um candidato.

Sobretudo, quando a idade, nível de qualificação ou exigência de compromisso da função sejam mais elevados, tais mudanças, numa fase inicial de carreira, não apenas são inevitáveis, como até se podem mesmo encarar como desejáveis, porquanto permitem ao profissional uma diversidade de experiências e conhecimento de processos e organizações, que acabam por revelar semelhanças e transversalidade, que certamente enriquecem e potenciam as experiências e oportunidades seguintes.

Ainda assim, compreende-se que esse acumular de experiências possa não ser visto como um elemento favorável na hora de contratar alguém, ainda que jovem, uma vez que tal sucessão de experiências pode não significar um espelho de sucessos, ainda que, mais importante do que o número ou duração, sejam a qualidade e o valor intrínseco de cada uma delas, que não propriamente a sua duração, número ou diversidade.

 
  (comente em: dinis.ruinelson@gmail.com)

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