6 Jun 2022
Ana Isabel da Costa e Silva *
O sentido de pertença existe, mesmo para quem não seja morador, ao percorrer Paris. A qualidade verificada desde a configuração geral da cidade até ao detalhe do desenho da guia do passeio reforça esse sentimento.
Paris, uma cidade romana, cujo nome fora Lutetia, foi palco de inúmeras intervenções. Muitas delas, conforme nos conta A. E. J. Morris, no livro ‘History of Urban Form. Before the Industrial Revolutions’, de 1984, foram admiravelmente conservadas como por exemplo uma arena cuja entrada se encontra na Rue Monge, a este da Rue St Jacques ou ainda na localização da Catedral Notre Dame, cujo ponto religioso já existia com o Templo de Júpiter. Ou seja, houve uma profunda transformação da cidade, sobretudo no século XIX, que não resultou na destruição da estrutura compositiva e identitária existente.
Conforme refere Walter Rossa, no livro ‘Fomos condenados à cidade: uma década de estudos sobre património urbanístico’, de 2017, um sistema de relações formais estáveis sobre o qual a urbe se cria e recria, na qual a sociedade processa o quotidiano, configura a estrutura urbana, considerada componente essencial do espaço de uma cidade. Segundo o mesmo autor, ‘atravessamos um momento crítico na definição de uma nova urbanidade, no qual a identidade, a sustentabilidade, a ecologia urbana e a participação dos cidadãos se configuram como cruciais. Estamos a passar de uma modernidade marcada pela máquina para uma outra assente na potencialidade do cognitivo, na qual a sensibilidade à imagem ganha importância’.
Kevin Lynch, no seu livro ‘A imagem da cidade’, de 1960, aponta o valor inestimável de conceitos como a legibilidade, a clareza e identidade para a vivência e apropriação dos espaços urbanos. Recorda-nos também que a presença das pessoas e das atividades é tão importante como a presença dos edifícios na construção de uma identidade urbana característica.
Kevin Lynch confirma, através de vários exemplos, a relevância da continuidade espacial para a construção da imagem da cidade e, nesse sentido, considera que o sistema viário é primordial para capacitar a sua apreensão em movimento.
Mas este sistema viário deve colocar as pessoas como foco principal das preocupações dos decisores políticos, uma vez que não importará, apenas, chegar mais rápido, mas sim a experiência da jornada...
* Arquiteta
anadacostaesilva@correiodeazemeis.pt