Helena Terra *
É. É uma arma carregada e que, por isso não deve ser deixada em mãos alheias. Nas eleições legislativas ocorridas em 2022, a abstenção foi de 48,6%. As primeiras eleições legislativas livres realizaram-se em 1975 e, nestas, a abstenção foi de apenas 8,5%.
A grande conquista de Abril foi a liberdade e a possibilidade de a expressar, através do voto, livremente, numa eleição multipartidária, onde o problema de escolha se põe efetivamente. Cinquenta anos depois é tempo de honrar todos os que lutaram e sofreram para que tal pudesse acontecer.
Além disso, temos ainda hoje problemas por resolver, como tínhamos em 1975. Como, bem, disse Sérgio Godinho: só há liberdade a sério quando houver a paz, o pão,
Habitação, saúde, educação, só há liberdade a sério quando houver, liberdade de mudar e decidir.
Hoje temos níveis de pobreza que atingem grupos sociais que já foram tidos como parte da classe média. A oferta de habitação é demasiado curta para a procura existente, mormente oferta de habitação compatível com os níveis salariais com que vivemos. O SNS, uma das maiores conquistas de abril, deixa muita gente de fora e, os que ficam de fora, são os mais necessitados, desde logo porque não podem lançar mão da alternativa que os seguros de saúde proporcionam. A educação e a escola pública gratuita e universal para todos, foi perdendo tempo letivo que foi cedido à burocracia no tempo do Simplex. Uma das grandes conquistas da era democrática foi o princípio da separação de poderes. Serviços públicos que devendo estar ao serviço dos cidadãos, vivem a entorpecer as suas necessidades, com máquinas pesadas e com os servidores do Estado, na sua maioria, à beira da idade da reforma sem a correspondente reforma dos quadros de pessoal. Um sistema judicial que está a rebentar pelas costuras e onde os serviços de investigação criminal são muito mais persecutórios, quase inquisidores, do que agentes de investigação e desmobilização da prática de atividades criminais.
Antes de 1974, víamos os nossos jovens partir para combater, num combate muitas vezes sem regresso, para combater numa guerra que, não sendo sua, os deixava à mercê da sua sorte. Alternativa a isto era a saída de Portugal, “a salto”, para fugir a esta inevitabilidade e à vida de miséria que o fascismo reinante tinha para oferecer.
Hoje, continuamos a ver os nossos jovens partir, jovens nos quais o estado e as famílias investiram num processo de formação que lhes confere a classificação da geração mais bem preparada de sempre. Ei-los que partem para iniciar uma vida profissional com a dignidade salarial que, por cá, lhes é negada e que se lhes oferece como único caminho para a sua autonomização e saída da casa dos pais. Continuamos a ser um povo de emigrantes, mas hoje, exportando mão de obra altamente qualificada que deixa “desfalcado” o nosso sistema produtivo e longínquo o nosso destino coletivo de sucesso.
A nossa arma para combater isto é o voto. Usemo-la porque está carregada e, não devemos deixar a nossa arma, carregada, na mão dos outros.
* Advogada