Os novos guardiões dos rios

António Magalhães

António Magalhães

Eu sei que isto de falar de outros tempos é coisa de velhos. Mas nesses tempos havia como que o culto dos rios. O guarda-rios percorria assiduamente os cursos de água e chamava à ordem os prevaricadores. Os proprietários dos terrenos confinantes eram avisados para cortar toda a vegetação que ensarilhasse a livre circulação das águas. Necessária uma licença para construir, ou mesmo reconstruir, o muro de suporte.

Mas a atenção não se dirigia apenas para os rios propriamente ditos. Quaisquer linhas de água, simples regatos, até mesmo os chamados “regos da Hidráulica” - nessa altura dependíamos da Direcção de Hidráulica do Mondego, com sede em Coimbra - haveria que respeitá-los. Qualquer construção estava sujeita ao afastamento imposto - um metro e meio para cada lado - e sou testemunha das dificuldades experimentadas por uma Junta de Freguesia para conseguir que fosse permitida a aplicação de manilhas num curtíssimo espaço de dois metros, apesar de se tratar de obra de interesse público. 
No Rio Antuã e no seu afluente Rio Ul, as antigas “praias” e “piscinas” da Salgueirinha, dos Ribeiros, da Barreta, foram as escolas de natação de tantos de nós, a quem tantos da minha geração estamos presos pelas mais gratas recordações, ali onde os alfaiates eram companheiros nas águas transparentes que bebíamos. As areias das margens estavam limpas. 
Nos campos vizinhos abundavam as ramadas de uvas americanas, doces de mel, que foram a nossa merenda. Ao longo das margens, os mais velhos e os mais pacientes entretinham-se na pesca, retirando com relativas facilidade e abundância barbos e bogas, os mais artistas conseguiam trutas.
A construção, há quase dois séculos, da barragem, em Palmaz, que tornou possível a produção de energia eléctrica a partir das águas do Caima, determinou a criação de uma enorme praia, que os proprietários quiseram acessível à população; até ali vinham legiões, sobretudo de jovens, de longas distâncias, enquanto o frondoso carvalhal acolhia os recheados merendeiros dos convívios familiares.  
Tudo, hoje, penosas reminiscências de um passado distante. Os rios são a meta de todos os despejos… abundam os maus exemplos das mais responsáveis entidades e serviços públicos. A vegetação de toda a ordem torna, tantas vezes, impossível o acesso às águas. Não escasseiam linhas de água travadas pelo tijolo e pelo cimento, ocupadas por obras estritamente particulares… e os promotores agiram sempre assegurados de toda a impunidade. 
Para os mais velhos, das piscinas do Antuã e do Ul apenas resta uma amarga saudade e um revoltante abandono…
Os guarda-rios, instituição que os arquivos dizem datarem do século XVII, foram extintos pela “dinâmica legislativa” dos finais do século XX. As funções destes profissionais – afectos aos então Serviços Hidráulicos de Portugal - incluíam a salvaguarda e protecção dos cursos de água; auxiliavam as autoridades administrativas em assuntos de segurança pública e prestavam auxílio a particulares. 
Conforme notícias recentes destas colunas, um parceria entre a nossa Câmara, a Agência Portuguesa do Ambiente e a Indáqua determinou a criação dos guardiões dos rios, diremos que uma nova geração dos nossos guarda-rios. 
Congratulemo-nos com isto. E se é certo que a recuperação dos nossos rios aparece como um trabalho de décadas, não é menos certo que as possibilidades técnicas de hoje permitem uma mais rápida descoberta dos prevaricadores e das suas actividades criminosas… muitos deles para além das fronteiras do nosso concelho. 
(Escrito de acordo  com a anterior ortografia)
 

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