Recordar o “milagre do dedo”

António Magalhães

Os chumbos dos disparados do sacristão deceparam o dedo do ladrão. O famoso dedo encontra-se exposto na entrada da capela (foto)

Em tempo de festa

O chamado “milagre do dedo” – dedo que se conserva devotamente no Santuário de Nossa Senhora de La Salette – aconteceu na noite de 10 para 11 de Agosto de 1908, de segunda para terça. As festas haviam decorrido nos dias 8, 9 e 10. Completar-se-ão agora cento e quinze anos. As obras do Parque, esforço gigantesco da Comissão Patriótica, iniciar-se-iam apenas em 1909. 
O secular episódio, para sempre ligado à história da nossa terra, passou já por este espaço. Recordo-o agora, na esperança de que alguns jovens – muito poucos, certamente - ocupem na leitura um dos muitos tempos livres.

Para guarda das alfaias que ornaram a procissão, das esmolas e valores deixados pelos piedosos devotos, dormia na primitiva capela, como era hábito, o valente sacristão Martinho José Pereira da Silva. Figura legendária, pai do sempre recordado Mestre Guilherme, que pontificou com mestria nas pioneiras oficinas da nossa Escola Industrial e aí formou os primeiros “engenheiros” da terra, aqueles a quem devemos muito do nosso mundo empresarial. Foi ele quem enfrentou e deteve o assaltante, da escopeta que empunhava saíram os chumbos que deceparam o dedo.
Martinho fez soar a sineta a rebate e muitos foram os que se apressaram a subir a escarpa do agreste Monte dos Crastos. O ratoneiro foi conduzido aos calabouços da comarca, uma espelunca que ocupava o rés-do-chão dos Paços do Concelho, cujas águas-furtadas foram residência do carcereiro. João Lourenço da Silva, então enfermeiro no Hospital da Misericórdia – e mais tarde uma referência dos nossos Bombeiros – cuidou dos ferimentos do detido.
Assaltante que, afinal, todos reconheceriam: tratava-se do jovem de 22 anos, António Ferreira, residente em Vilar, por alcunha o “Pedreirinho”, um dos muitos infelizes, ao jeito da época, um “filho de pai incógnito”que a mãe abandonara nos verdes anos. 
A Justiça era, então, bem mais célere. Decidiu escassos seis meses depois. O julgamento teve lugar no dia 6 de Fevereiro de 1909. Presidiu o Juiz Dr. Francisco Correia de Lemos, o Dr. Freire Pimentel foi o Procurador Régio, cabendo a defesa oficiosa ao Dr. António Carrelhas, figura legendária que foi sacerdote, notário e advogado. Assistiu o escrivão Gandra, outro cidadão que ingressou na história local.
Coube ao réu a pena de três anos de prisão maior celular, ou, em alternativa, quatro anos e seis meses de degredo em possessão de 1.ª classe, seis meses de multa a 100 réis por dia, custas e selos, mais 10$000 réis para o defensor.
Passados treze dias, a 19 de Fevereiro, compareceram quatro praças e um cabo de Infantaria 24, mais tarde Infantaria 10, de Aveiro, que conduziram o condenado à cadeia da Relação do Distrito. O oficial de diligências da nossa comarca, Alberto Baptista, acompanhou-os na viagem. Outro oliveirense com vasta descendência, que se conserva. 
Nada mais se soube do “Pedreirinho”. Uma credível tradição diz que cumpriu a sentença em Angola, onde terá ficado para sempre! 
(Escrito de acordo com a anterior ortografia)
 

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