17 Jan 2025
> António Magalhães
A “Lei Relvas”não foi feliz. Inaceitável compará-la à reforma do grande estadista Mouzinho da Silveira, que reduziu de 871 para 351 o número de concelhos, entre eles o nosso da Bemposta, porque, no dizer do historiador Gaspar Martins Pereira, “havia alguns tão pequenos, criados na Idade Média, que eram autênticas aldeias”.
Mouzinho não aboliu uma única freguesia. Extinguiu concelhos, sorvedouros de dinheiro. Os concelhos exigem Câmara e Assembleia Municipal, Conservatórias, Secretaria Notarial, Finanças, mais algumas conhecidas mordomias. As juntas acomodam-se com bastante menos. Aliás, dizem alguns bem informados que este era, inicialmente, o projecto de 2013.
A anexação de Macinhata da Seixa e Madail à sede do concelho talvez a justifiquem a dimensão das superfícies e das populações. Santiago de Riba-Ul está praticamente anexada à cidade e há muito ninguém saberá ao certo a linha de separação. Documentos antigos falam de uma corrente de água junto ao Pingo Doce, na Zona Industrial
Incompreensível o que se refere a Ul. Os dois rios que atravessam a extinta freguesia conferem-lhe uma personalidade própria, única, rios que, há séculos, estiveram na origem dos nossos moinhos, e daí do nosso famoso pão de Ul, que todos apreciam mas muito poucos defendem; legaram ainda a heróica geração de moleiros, que anos e anos numa luta cruel e desigual enfrentaram os poderes instituídos, gerando a pujante indústria de preparação de arroz e outros derivados, empresas que criam riqueza e levam o nome de Ul a vários continentes. Aqui se prepara 70 por cento do arroz consumido no país. Não esquecendo que pertence a Ul muita da área daquela que há-de ser a grande zona industrial do concelho.
Ul mereceu o título de “Aldeia de Portugal”, ergueu o Parque Molinológico, e não merece recuperar a milenar autonomia?
Mas há também razões históricas. Quando D. Afonso Henriques, em 1140, se autoproclamou Rei dos portugueses, já há milénios existia o povoado de Ul. Viviam ulenses no Crasto, que carreavam, sabe-se lá como, a água desde o Antuã. O marco miliário da milha XII, hoje erguido na Praça de São Miguel, fronteira à Matriz da cidade, norteava em Ul os caminhantes da Via Militar Romana. Veio de Ul, arrancado que foi dos alicerces da antiga igreja, abandono a que pôs fim a saudável teimosia de Manuel Mendes Tarrafa, apaixonado e esquecido estudioso da história das nossas terras.
Uma outra união que me suscita reservas é a das freguesias de Pinheiro da Bemposta, Palmaz e Travanca.
Pinheiro da Bemposta foi, desde 1514 a 1855, sede um concelho vastíssimo que chegou a estender-se por Palmaz, Loureiro, Travanca, Macinhata da Seixa e Ul, mais Branca e Ribeira de Fráguas (Albergaria-a-Velha), Fermelã, Canelas, Salreu e Santiais (Estarreja), ainda Assequins (Águeda). Uma publicação régia de 1527, tempos do piedoso D. João III, classifica o concelho como um dos mais importantes da Estremadura.
Pinheiro da Bemposta é um autêntico museu vivo, respiramos história em todos os recantos. A extinta freguesia abandonou há muito as características de ruralidade pura e dura para avançar numa evidente urbanidade.
Banhada pelo Caima, que lhe confere cenários de conhecida beleza e paz, geradores de uma unidade hoteleira de nível nacional e internacional, Palmaz é uma freguesia muito dispersa, com os seus pouco mais de 2000 habitantes repartidos por 15 km2, o que lhe concede baixíssima densidade populacional. Tem características muito específicas, sem quaisquer pontos de encontro com Pinheiro da Bemposta. Travanca é outro caso de uma terra em grande desenvolvimento, também de progressiva urbanidade, com grande bairrismo, onde não se esgotaram ainda os ecos do grito mobilizador – “Travanca por riba” - do inesquecível Professor Amadeu Bodas, obreiro, em tempos difíceis, do edifício escolar, depois sede da extinta junta e ainda hoje ao serviço da população.
Nogueira do Cravo e Pindelo resolveram a separação em paz. Predominou o bom senso.
(Escrito de acordo com a anterior ortografia)
António Magalhães