Manuel Paiva *
2 - Não é raro ouvir-se uma senhora dizer: - «Muito obrigado». Isto não é correcto. Na verdade, quando dizemos essa palavra, estamos a confessar, diante de quem nos fez um favor, que lhe ficamos na obrigação de retribuir. Daí que um homem fica «obrigado» a retribuir, e uma senhora fica «obrigada» a retribuir. Portanto um homem deve dizer sempre «obrigado», quer se dirija a uma senhora, quer a outro homem, enquanto que uma senhora dirá sempre «obrigada», quer se dirija a um homem , quer a outra senhora.
3 - Outro caso que já tenho referido nalguns apontamentos publicados neste jornal: Muita gente diz, por exemplo, assim: «Se eu entretesse o filho mais tempo, ele não saía para a rua».
A palavra destacada a negrito não está correcta. Com efeito, neste caso, temos o verbo «ter» precedido da preposição «entre» que fica invariável na conjugação do verbo. Assim, o pretérito imperfeito do conjuntivo (é o nosso caso) do verbo «ter» é: «(se) eu tivesse, tu tivesses, ele tivesse», etc. Agora é fácil: «Se eu entretivesse o filho mais tempo...» (e não «entretesse»). E se for o pretérito perfeito do indicativo: «Eu entretive, tu entretiveste, ele entreteve, etc.». E também o futuro do conjuntivo: «Se eu entretiver, se tu entretiveres, se ele entretiver, etc.». Conclusão: às formas verbais do verbo «ter», antepõe-se a preposição «entre», sem alterações. É fácil ou não é?!...
4 - Sapato roto, sapato rasgado ou sapato rompido? Homem morto, homem matado ou homem morrido?
Aqui trata-se de verbos com particípio duplo, isto é, verbos que têm dois particípios: um, regular (segundo a evolução normal da língua: rasgado, rompido, morrido, matado), e outro, irregular (porque veio do latim por via erudita ou foi a forma regular que se contraiu: roto, morto).
Quando se deve usar uma ou outra forma verbal?
a) - Normalmente a forma regular (rasgado, rompido, morrido, matado) emprega-se junto dos verbos auxiliares «ter» e «haver» (este no sentido de «ter»). Exemplo: «Eu tenho rasgado muitos sapatos = eu hei (tenho) rasgado muitos sapatos»; «Eu tenho matado muitos bichos = eu hei (tenho)matado muitos bichos»; «Ele tem rasgado muitas calças = ele há (tem) rasgado muitas calças»; «Tem morrido muita gente», etc.
b) - Quanto à forma irregular (por via erudita) do particípio (roto, morto...), ele usa-se, geralmente, com o verbo «ser» e «estar». Exemplo: «O sapato está roto»; «O homem foi morto pelos cães.
Outros exemplos correctos: «Tenho cativado muitos amigos»; « Estou cativo sem querer»; «Tenho ganhado muito dinheiro»; «Ele foi ganho por mim «Ele tem pagado o que deve»; «Tudo está pago», etc.
Conclusão:
1. Para se conhecer bem a Língua Portuguesa, é preciso saber Grego e sobretudo Latim.
2. A Língua Portuguesa exige muita reflexão e muita lógica.
3. É precisa uma boa sensibilidade.
4. É preciso estar familiarizado com a semântica, e conhecer o modo de evolução, desde o étimo da palavra, até à sua actual grafia e sentido.As palavras não ficam paradas com o tempo…
5. É preciso muito estudo e atenção.
6. Tudo isto para além, evidentemente, do contacto com as diversas formas de expressão oral e escrita, especialmente dos bons escritores e do sentido profundo da própria linguagem do povo.
7. Aqui ficam os votos para que não se atraiçoe tantas vezes a beleza da nossa Língua, e que não se «inventem» palavrões que nada têm a ver com a nossa Língua, como, por exemplo, coisas que se ouvem agora por aí, como «chatérrimo, aborrecidérrimo» e outras que tais, como se em português houvesse adjectivos terminados em «er» como em Latim. Defendamos a nossa Língua!...
* Colaborador do Correio de Azeméis