6 Dec 2023
Helena Terra*
Em 2024 contávamos com um ato eleitoral, as eleições para o parlamento europeu. Porque o “destino” se descomandou, temos mais dois atos eleitorais. Eleições legislativas a 10 de março e eleições regionais nos Açores em outubro.
Qualquer eleição é um exercício democrático importante, mas as eleições que no próximo ano surgem, por surpresa, não são propriamente o melhor dos hinos à democracia.
Vamos ter eleições legislativas, motivadas pela interrupção de um mandato que um governo, legitimado pelo voto popular, tinha para governar a nação com maioria absoluta.
O primeiro-ministro demissionário, um estratega e um sobrevivente nato, começou por fazer más escolhas ministeriais e, a determinada altura, deixou-se enredar, numa teia labiríntica de ativos tóxicos do seu governo que se revelaram como passivos geradores do maior dos custos que uma democracia pode ter, a queda de um governo legítimo. Na região autónoma dos Açores, o último ato eleitoral em outubro de 2020, ditou um vencedor que foi o PS, liderado por Vasco Cordeiro, que obteve 39,13% dos votos. Mas foi um acordo pós-eleitoral que ditou a formação do governo que havia de tomar posse, liderado pelo PSD de José Manuel Bolieiro. O casamento que permitiu formar governo foi um casamento feito à pressa e um dos membros desta união, quebrando os votos, levou à queda do governo após o chumbo do último orçamento votado para a região.
No continente, um contrapoder corporativo e justicialista, que tem vindo a crescer nos últimos anos no nosso sistema democrático, sem grandes consequências no que toca ao número de acusações públicas, e menos ainda no que toca a julgamentos findos em condenações, tem vindo a ditar muitas agendas, nomeadamente agendas políticas de forma incólume, qual paladino de uma ética pouco republicana, mas muito populista. Além disso, tem alimentado um certo jornalismo pouco profissional e muito panfletário, que tem feito julgamentos na praça pública, sentenciando um conjunto de vítimas que jamais se hão de recompor porque, numa sociedade onde reina a iliteracia política e que alimenta todos os tipos de populismos, o que alguns disseram que parecia passou a ser, sem que nunca tivesse sido.
A campanha que, não formalmente, já começou tem de discutir esta doença que fragiliza a nossa democracia. Tem de o fazer sem medos, ainda que tal discussão tenha de resultar de um “pacto” entre os dois maiores partidos, escolhido que seja dentro de dias, o próximo secretário-geral do PS e candidato a primeiro-ministro.
Em 2024, comemoram-se 50 anos sobre a revolução de abril e fazer uma campanha eleitoral com as bases da nossa democracia a padecerem de enorme fragilidade e não fazer esta discussão que se impõem, envergonha a memória de todos aqueles que nos deram “o dia inicial inteiro e limpo, onde emergimos da noite e do silêncio, e livres habitamos a substância do tempo”.
* Advogada