O novo presidente da Proleite, em entrevista ao Correio de Azeméis/Azeméis TV/FM
Victor Santos é o novo presidente do Conselho de Administração da Proleite, já fazia parte dos órgãos sociais nos últimos dois mandatos, assumiu a liderança da cooperativa, depois de Manuel dos Santos Gomes ter deixado o lugar.
O novo presidente da Proleite deu a sua primeira entrevista desde que assumiu a liderança, conduzida pelo diretor do Correio de Azeméis, Eduardo Costa, onde fala do seu percurso como jovem agricultor até se tornar no maior produtor do país. Fala do futuro que deseja para a Proleite, mantendo a cooperativa ao serviço dos produtores e ambicionando para a região que serve um exemplo para a União Europeia.
As ordenhas públicas dos avôs.
“A minha ligação ao setor leiteiro e, nomeadamente, também à Proleite, vem desde os meus tempos de escola primária. Eu lembro-me que já em casa dos meus avós havia uma ordenha pública. Na altura eu lembro-me de chegar da escola, ali em Avanca, e levarmos as vacas à ordenha pública, que era em casa dos meus avós. Entretanto, depois da minha formação académica, evoluo para uma exploração que fizemos de uma forma mais profissional, com uma perspetiva de poder eventualmente ter uma maior dimensão, uma maior consolidação de processos, um maior profissionalismo.
É evidente que este momento acontece por haver esta ligação à Proleite, esta proximidade à Proleite e uma “intimidade” muito grande com todos os setores da Proleite.”
As histórias da infância.
“Eu lembro-me perfeitamente, quando íamos às ordenhas públicas, de um homem que a Proleite tinha, que era o Sr. Armando. O Sr. Armando era quem fazia os pagamentos dos produtores e chegava às ordenhas públicas, abria a mala de trás do carro onde tinha o dinheiro para pagar aos produtores. Eu assistia àquilo, lembro-me na altura, com os meus 9, 10 anos, e aquilo era um momento, para mim, porque via muito dinheiro. Era um momento mágico, via aquilo sempre com muita curiosidade.”
Desde pequeno que o leite fez parte da vida de Victor.
“Na altura nós encaminhávamos as vacas pelas ruas das freguesias e lembro-me perfeitamente, muitas das vezes, nós no caminho, enquanto as vacas iam, roubávamos uma fruta aqui e acolá, fazíamos as nossas peripécias de crianças, da vivência natural do mundo rural, e isto marcou aquilo que era a minha ligação ao meio. Numa fase mais avançada da minha juventude, na minha formação, aí sim, aí comecei a não ter dúvidas de que de facto era a área que eu queria desenvolver, onde eu me queria realizar profissionalmente.”
A importância da formação para decisão final.
“A experiência e vivência nas universidades vai nos dando uma visão diferente daquilo que poderão ser determinadas áreas, e aí eu comecei a perceber que o setor leiteiro em Portugal, o leite não só como alimento, mas o setor em si, tínhamos que fazer um caminho e havia aqui uma oportunidade.
Tínhamos que fazer o nosso caminho, fazer o nosso trabalho, fazer a nossa evolução, mas foi este caminho que eu identifiquei na altura e que, de certa maneira, percorri, e que motivou muito a minha decisão de me instalar na produção.”
A reação dos pais à escolha para o futuro.
“A primeira reação [dos pais] não foi boa, sinceramente. É evidente, se calhar, eu, porque tinha estudado, tinha ali uma perspetiva diferente do setor e via o setor como a possibilidade de podermos crescer e evoluir para um patamar completamente diferente. Se calhar a visão dos meus pais também era muito formatada por aquele tipo de vida que tinham tido até à data e aí houve um momento de alguma falta de entendimento em relação àquilo que devia ser o meu futuro. Mas eu, sinceramente, nunca tive dúvidas.”
Promilker: a maior produtora de leite nacional.
“Esse processo inicia-se em 1999, com a fundação da Promilker. Acabei a minha formação académica, depois andei ali dois anos a elaborar um projeto de jovem agricultor na altura, a adquirir terrenos para a instalação, e em 1999 fundei a Promilker, que é a empresa que tenho e que é da produção de leite. Inicialmente, a minha localização para a empresa foi já numa perspetiva de ir necessitar de crescer e por isso optei por uma localização completamente fora daquilo que era o normal na altura.
Havia muito o conceito de instalar as explorações leiteiras no meio do nosso tecido, no meio das freguesias, já na altura procurei esse isolamento para poder crescer. Começámos a produção com cerca de 60 vacas na altura. A Promilker foi crescendo, na altura com uma sintonia perfeita com aquilo que eram as decisões também da ProLeite, mas não fazendo ainda parte de nenhum órgão na ProLeite.
A ProLeite sempre também fomentou e incentivou o meu crescimento como produtor e o crescimento da empresa e sempre me apoiou a esse nível.
Hoje temos cerca de 3.300 animais, cerca de 1.250 vacas e temos uma produção muito significativa naquilo que é o panorama de produtivo nacional e isso, como é evidente, deixa-me muito realizado.”
O maior produtor de leite do país.
“Não é tanto pela dimensão, mas mais pela realização que tenho em que tenho hoje a trabalhar comigo cerca de 30 pessoas e conseguimos proporcionar a estas 30 pessoas um rendimento e uma estabilidade em termos de emprego. Em termos de satisfação profissional, pelos índices de produção que temos, também estamos muito satisfeitos. A empresa atravessa neste momento um bom momento, porque conseguiu algumas certificações, nomeadamente a de bem-estar animal e já caminha para outras.
Aquilo que me deixa mais realizado foi, de facto, este percurso de olhar para trás e me lembrar da escola primária e de onde eu vim, por onde eu passei, e poder hoje estar aqui e olhar até para toda a Europa e perceber que não devemos nada aos nossos colegas europeus, muito pelo contrário. Usamos hoje já técnicas que são os melhores da Europa e os nossos índices produtivos demonstram isso.”
O convite do Comendador Manuel Santos Gomes
“Depois da fundação da empresa que tenho, sempre tive uma participação muito ativa junto da cooperativa, junto dos técnicos, uma presença muito notada. Houve uma altura, um convite do Sr. Manuel dos Santos Gomes para fazer parte daquilo que era o Conselho Fiscal na altura. Entrei pelo Conselho Fiscal, na altura presidido pelo Sr. Mário Reis. Depois nos dois últimos mandatos fiz parte do Conselho de Administração. Enquanto a minha ligação à Proleite era só de produtos, de produtor, acaba sempre por acontecer termos uma visão muito própria daquilo que é a produção, daquilo que são as reivindicações da produção. E, de certa maneira, eu acho que sempre tive uma visão a esse nível, mais integrada do setor. A participação em Conselho de Administração abre-nos aqui um espectro completamente diferente. A responsabilidade é diferente. A forma como vemos o setor tem de ser uma forma mais integrada.”
O novo cargo de presidente da Proleite
“Eu espero estar devidamente preparado. Nós nunca estamos preparados, tendo em conta o nível da responsabilidade a que estamos sujeitos. Mas, eventualmente, fazemos tudo para ter a melhor preparação possível e, sim, acho que o meu trajeto e o meu profundo conhecimento daquilo que eram e são os problemas da produção e que eu acabei de descrever, a minha participação em Conselho de Administração durante estes últimos oito anos também me levou aqui a estar por dentro de muitas temáticas que preocupam a cooperativa, que devem preocupar aquilo que é uma estrutura como esta na liderança da produção nesta região. Penso que tenho neste momento condições para desempenhar um cargo desta valia.”
A importância da Proleite
“Tenho a certeza que se a ProLeite não existisse nos moldes em que existiu e naquilo que significou para mim, e também para outros produtores desta região, que não teria atingido este patamar, sem nenhuma dúvida.”
A Proleite não “deixa ninguém para trás”
“Tenho uma máxima que é: quando as coisas correm bem não me digam nada, mas quando correm mal eu quero ser o primeiro a saber. A Proleite tem tido aqui e o nosso objetivo também é não deixar ninguém para trás, fazer um caminho mesmo com as explorações menos preparadas, tenta fazer um caminho no sentido de habilitar uma certificação. Para nós um produtor é um ativo muito importante e por isso, claro que sim, podem contar connosco.”
Os jovens têm futuro no setor
“Produzir um alimento como é o leite, com a riqueza que o leite tem e com a segurança alimentar que nós temos que ter no desenvolvimento desta atividade, requer uma especialização muito grande. Requer a dedicação de técnicos e de uma mão de obra muito profissionalizada. Não tenho nenhuma dúvida que há futuro naquilo que é a produção a este nível, porque se nós como cooperativa, conseguirmos liderar este crescimento, esta melhoria das eficiências, das nossas explorações e da resolução de alguns problemas que elas, de forma isolada, não conseguem fazer, criamos aqui condições para assegurar a manutenção de mão de obra e de jovens que neste momento se dedicam àquilo que é a produção a leite.”
Tornar a região uma referência europeia
60 anos de Proleite.
“A Proleite comemora este ano 60 anos e são 60 anos de vida a organizar e a dinamizar a produção nesta zona.
O que é que teria acontecido se eventualmente a Proleite não existisse? É difícil. Mas aquilo que posso dizer é que eu conheço zonas do país com muita predisposição para a produção de leite, onde uma estrutura deste género não existiu e a produção nessas regiões extinguiu-se.
Nós temos hoje aqui nestes cinco concelhos [Oliveira de Azeméis, Ovar, Estarreja, Murtosa e Albergaria] explorações que são das melhores da Europa. Não tenho nenhuma dúvida em dizer isto. Isto acontece também e sobretudo porque a Proleite se manteve e desenvolveu toda a sua atividade com este foco naquilo que é a organização da produção e a promoção da produção.”
Os novos desafios.
“Hoje o consumidor não é o mesmo, o nosso produtor não é o mesmo, a forma como todos vemos a nossa alimentação não é a mesma. Há uma necessidade muito grande de tentar reunir todas estas preocupações, naquilo que são os objetivos de desenvolvimento da cooperativa.
A Proleite tem um desafio muito grande naquilo que é a criação e a manutenção de condições para que a sua produção se mantenha e se desenvolva nesta região da beira-litoral. E aí, há desafios comuns a todos os nossos produtores.
Desafios de organização da produção, desafios ambientais, desafios estruturais do nosso setor, do nosso sistema fundiário. E é aqui que eu penso que a Proleite tem de desenvolver a sua atividade no futuro. É evidente que temos também algumas ideias ao nível do mundo rural e até eventualmente no outro tipo de área, nomeadamente no leite e até na carne. Temos um projeto de uma empresa, que a Proleite adquiriu agora parte da maioria do capital social, estamos a falar de matadores da área litoral, da MBL. De certa maneira complementamos aqui o serviço àquilo que é a atividade leiteira das explorações, porque há muitas explorações que produzem leite e complementarmente também acabam por produzir carne, e não havia uma estrutura que conseguisse organizar esta produção e trazê-la e apresentá-la ao mercado. A Proleite está agora a dar os primeiros passos nesta área.”
A importância da formação superior.
“Eu conheço aqui à minha volta mais de uma dúzia de produtores em que os seus responsáveis técnicos, os seus trabalhadores, são filhos de produtores com formação superior.
E isto é, para nós, Proleite, uma grande oportunidade, mas é também um grande desafio, para conseguirmos satisfazer as necessidades destes técnicos que têm competência, que têm experiência, que têm know-how porque estudaram. Acho que a Proleite começa a ter aqui, no seu conjunto de produtores/fornecedores, muitas explorações preparadas para o futuro.”
Acompanhar o mercado europeu.
“A produção de leite, de há 30 anos para cá, cresceu muito, melhorou muito, organizou-se muito. Havia muito uma preocupação da segurança alimentar, da organização da produção, do agrupamento da produção, de criar dimensão, de criar escala. A nossa agenda, nos próximos 10 anos, é completamente diferente. Nós sabemos o que é que está a acontecer na Europa, onde normalmente países como a Holanda, a França, a Alemanha, ditam muito daquilo que é o desenvolvimento em diversas áreas no setor da produção de leite.
O nosso objetivo agora é preparar as condições e conseguir naquilo que não são as competências do próprio produtor individualmente, preparar condições para que esta atividade cresça.”
Agenda ambiental: A Proleite já conseguiu certificar todas as explorações.
“O ambiente, o nosso meio envolvente vai exigir de nós uma maior organização, uma maior eficiência na utilização daquilo que são os recursos. Não tenho nenhuma dúvida sobre isso. É normal, a agenda mundial assim o indica e temos de estar muito atentos a isso.
Temos aqui um caminho para percorrer, nós já o identificámos. A beira-litoral tem algumas especificidades que outras regiões do país não têm.
E aqui eu acho que uma das limitações que nós temos é, de facto, a limitação ambiental, que temos de ter muito rigor no seu cumprimento, e onde, muitas das vezes, uma exploração com menor dimensão não terá tanta capacidade e penso que ganhamos aqui algumas sinergias se nos agruparmos. E penso que a Proleite já iniciou aqui algumas démarches nesse sentido.
A Proleite está focada no sentido de, a curto prazo, e quando eu digo a curto prazo, digo dentro do próximo ano, começarmos a apresentar soluções para que a produção tenha uma solução desta questão ambiental. Há outras questões, nomeadamente do bem-estar animal, onde a Proleite neste momento já conseguiu certificar a totalidade das suas explorações.”
“A Proleite é acionista de uma empresa que é a líder ibérica no setor dos laticínios”.
“Se voltássemos lá atrás e se pensássemos em 1992 ou 1993 que este setor cooperativo iria ter uma empresa que é a líder ibérica na área dos laticínios, provavelmente iriam rir-se de nós. Isso aconteceu, hoje é um facto. A Proleite é acionista de uma empresa que é a líder ibérica no setor dos laticínios. Temos uma empresa perfeitamente capaz e isto coloca de facto Portugal como um país com reconhecida competência ao nível deste setor económico.
A reestruturação das cooperativas na década de 90
“Penso que foi importante para o setor esse momento. Nós estamos a falar ali na década de 90, quando, pela chegada à Portugal de uma multinacional bem conhecida, a Parmalat, há uma necessidade de as cooperativas mais representativas da produção nacional, se reorganizarem, se reestruturarem para fazerem face a essa multinacional. E aí sim, há uma reorganização da estrutura e dos seus modelos de produção industrial e da comercialização, em que é criada a Lactogal, que aí assegura tudo o que é transformação e comercialização do leite.
A Proleite passa a concentrar-se naquilo que é a sua interface com a produção, ou seja, no apoio à produção, na recolha da produção, na monitorização da produção e na prestação de serviços ao produtor. E eu penso que aqui houve uma maior especialização dos nossos serviços, uma maior atenção nesse tipo de cuidados. Penso que o produtor beneficiou com isso, sinceramente, não só pela maior proximidade dos serviços da Proleite, mas também porque, do ponto de vista do escoamento do produto, a Lactogal foi, claramente, uma mais-valia.
O Sr. Comendador Casimiro foi, de facto, a pessoa central, já faltam-me os adjetivos para caraterizar a importância que teve em todo este setor.
Na altura, penso que a sua grande preocupação, como mentor do projeto, era tentar criar condições de escoamento para um grande problema que existia na altura. E ele também próprio, com a criação da marca Mimosa, que nasceu aqui e cuja implantação é fruto daquilo que era a sua ideia para o setor e para o projeto, dinamizou essa comercialização e esse crescimento da produção, do escoamento e a fusão das três cooperativas vem nesse sentido, de criar melhores condições de escoamento de produto, melhores condições de valorização de produto, e lá está com a dimensão, criar uma maior importância junto daquilo que são os outros operadores a nível nacional e poder ter maior capacidade negocial também.”
A visão para o mandato: Ser uma referência europeia, se não a melhor da Europa
“Esse é o grande desafio. É o grande desafio deste meu mandato. De conseguir ter condições para que estas explorações continuem a ser as melhores. Espero que daqui a 10 anos esta região seja uma referência visitável pelos europeus e seja referenciada como uma das melhores, se não a melhor da Europa. Tenho essa visão, gostaria que isso acontecesse, quero que isso aconteça, estamos a trabalhar ativamente para que isso aconteça. Vou-lhe até dizer uma coisa, que podemos daqui por 10 anos voltar a esta entrevista.”