20 Jul 2022
Numa das últimas sextas-feiras, no pico do calor, o vale de Santarém atingiu mais de 44 graus e dois comboios da CP que faziam a ligação Lisboa-Porto avariaram. Eu circulava num desses comboios. A viagem, que entre Lisboa e Estarreja demora três horas, levou mais de seis.
Seis horas deu para conversar com pessoas que não conhecia, passageiros frequentes do mesmo comboio ou outros, de ocasião, que naquele dia rogaram baixinho as dez pragas do Egipto. No calor abrasador, com muito tempo de espera pela frente, sobressai um tipo habitual de passageiro: o que se indigna e protesta alto, como se as coisas só acontecessem cá, como se Portugal fosse o pior do mundo e, certamente, como se ele fosse o único num comboio com capacidade para cerca de 600 pessoas. São os que dão mais nas vistas, é um facto. Mas estão longe de representar a esmagadora maioria dos passageiros que, igualmente cansados, não deixaram de procurar compreender a situação, sem desculpar seja o que for.
Muitas vezes, a política, as peças jornalísticas e os comentários fazem-se desta espécie de passageiros que, aos berros, importunam sem procurar compreender as coisas.
Temos visto isso nas últimas semanas. Dificuldades reais nos hospitais portugueses, mas o mesmo a acontecer em diferentes países da Europa. Horas de espera nos aeroportos nacionais e o mesmo ou pior a acontecer em muitos países do mundo. Um drama com os incêndios (e como nós o sentimos na semana passada), mas com igual ou pior dimensão em Espanha, França, Itália ou Grécia. E também dificuldades com os comboios, no pico de calor, como aconteceu em Inglaterra.
Podemos ser, nesta história, o passageiro indignado que acha que só em Portugal é que isto acontece. Ou podemos ser um de todos os outros passageiros, a quem não custou menos a viagem nem pesou menos o calor. Porque estes passageiros não deixarão, e bem, de exigir responsabilidades e soluções, mas sem nacionalizar ou municipalizar problemas tantas vezes mais globais.
Bruno Aragão, Militante da Juventude Socialista de O. de Azeméis