15 Feb 2023
Bruno Aragão *
Fico impressionado quando o nosso conforto nos encolhe a memória. É quase sempre isto que explica as notícias que chegam sobre acolhimento de imigrantes.
Os acontecimentos recentes no Algarve, onde um grupo de jovens agrediu com violência um cidadão nepalês, inquietam-nos.
Vem-se instalando um discurso fácil sobre as regras de entrada de cidadãos estrangeiros e, mais perigoso, discursos legais que parecem razoáveis e mais aceitáveis. Soam sempre pior em Portugal, pela nossa história de imigração, particularmente no distrito de Aveiro.
As razões que no início do século XX nos levaram para o Brasil, ou nos anos 60 para França, são as mesmas que hoje trazem cidadãos do Nepal ou do Bangladesh para Portugal. E o nosso mais famoso emigrante escreveu-o com uma simplicidade atroz: “os homens transitam de Norte para Sul, de Leste para Oeste, de país para país, em busca de pão e de um futuro melhor”. Foi o que levou muitos portugueses para os “bidonvilles”, emigrando clandestinamente, trabalhando sem documentação e vivendo em condições muito difíceis, até que a força do trabalho e políticas melhores lhes tenham mudado a sorte.
Num distrito e num concelho como o nosso, a imigração é economicamente necessária. Mas no nosso caso há uma razão maior e mais profunda para que olhemos de outra forma para os imigrantes: as histórias que vivemos e conhecemos de muitos dos nossos emigrantes. O que foi sair escondido, viver clandestino, trabalhar duramente, viver precariamente e esperar que, apesar de tudo, quem os recebeu os tenha tratado com dignidade e os tenha acolhido como homens e mulheres à procura do tal futuro melhor.
Talvez esteja na hora de relermos Emigrantes, de Ferreira de Castro, e de o darmos a ler a outros. Para que ninguém esqueça a história dos homens “que nascem por uma fatalidade biológica e quando, aberta a consciência, olham para a vida, verificam que só a alguns deles parece permitido o direito de viver”.
* Presidente da Comissão Política Concelhia
do PS