19 Feb 2024
Bruno Aragão *
3 horas 40 minutos e 52 segundos. Foi o tempo do famoso debate entre Mário Soares e Álvaro Cunhal, em 1975. O debate terminou, curiosamente, por causa de um problema técnico: as bobines de gravação acabaram.
Fui revisitar este debate porque, um dia destes, numa sessão de esclarecimento em que participei, num distrito do interior, um senhor com quase 90 anos, me despertou para isto. Dizia-me ele que tinha agora muita dificuldade em ver os debates porque, no fim, quando ouvia os comentadores, ficava com a sensação que não tinha percebido nada. Que não tinha visto as coisas daquela maneira. Sozinho, noite dentro por uma velha estrada do interior, regressei a pensar naquilo.
Há quase 50 anos, a escolaridade da população era incomparavelmente menor e a taxa de analfabetismo era grande. Não há registo de que, a seguir ao debate, se tivessem digladiado comentadores a fazer escrutínio, supostamente isento, ao debate. Os três milhões de portugueses que seguiram o debate, que terminou perto da 1h30 da madrugada de uma quinta-feira, pensaram por si e tomaram posição. Não precisaram que ninguém lhes dissesse como interpretar, como refletir e, muito menos, sentiram necessidade de reduzir o desempenho daqueles grandes políticos a uma classificação, como num exame.
Quando aquele senhor de 90 anos me disse que talvez a política fosse agora muito complexa para ele o conseguir perceber, só me saiu um “olhe que não, olhe que não”. Rimos os dois, mas não tenho dúvida nenhuma que ele senhor de 90 anos percebe a política muito bem e, como ele, milhões de pessoas que pensam pela sua cabeça. O que precisamos, como políticos, é de dar informação correta e honesta às pessoas, dizer o que defendemos e, sobretudo, porque o defendemos. Local ou nacionalmente, o respeito pelas pessoas, pelos eleitores, tem de ser esse: de total honestidade nos argumentos e nos factos e de total confiança na capacidade de cada um os ajuizar. Sempre acreditei nessa capacidade.
* Presidente da Comissão Política Concelhia do Partido Socialista.