9 Sep 2024
Bruno Aragão *
Nas últimas semanas, as redes sociais dedicaram alguma atenção à situação difícil de uma pessoa em situação de sem-abrigo.
Não sei mais deste caso em concreto do que aquilo que todos podem testemunhar e da informação que a Câmara Municipal veiculou. Os serviços da autarquia e da Santa Casa da Misericórdia sempre acompanharam este caso. Às vezes esquecemos que as pessoas que trabalham nos serviços públicos e instituições de solidariedade fazem das tripas coração para tentar resolver casos mais complexos do que a facilidade com que cada um de nós resolveria os problemas do mundo.
Há uns anos valentes, um amigo levou-me numa das carrinhas de apoio a pessoas sem-abrigo, na cidade do Porto. Ouvia-o falar de pessoas que conhecia nesse trabalho voluntário e das suas histórias incríveis. Para mim, eram, até aquele dia, pessoas com histórias relativamente iguais, a quem a vida tinha, infelizmente, empurrado para a dureza da rua. Naquela mistura de cheiros a sopa quente, a mofo de roupas velhas e a falta de higiene, ficou-me uma impressão da diversidade de histórias e de pessoas. Algumas eram, para mim, muito difíceis de compreender. Lembro-me particularmente de uma pessoa que, mesmo trabalhando, continuava a viver na rua. Era para mim incompreensível.
Devemos responder a este flagelo com toda a nossa determinação. Garantir todos os recursos para que as vidas destas pessoas tenham condições de dignidade. Mas não confundamos a dignidade das condições com a dignidade das pessoas. Tentemos compreendê-las, mesmo que seja para nós incompreensível.
Neste início de ano letivo, permitam-me a sugestão de “Diário de um sem-abrigo”, livro recomendado pelo Plano Nacional de Leitura. Foi escrito por Jorge Costa, o homem que sentiu porque lhe era familiar o olhar dos outros quando começou a pedir esmola, nos primeiros dias de rua. Como ele escreveu, “era o olhar que eu sempre tive quando no passado olhava para alguém que me pedia dinheiro na rua”.
* Presidente da Comissão Política Concelhiado Partido Socialista